Crítica: Noite Passada em Soho passeia vertiginosamente pela falsa nostalgia

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Crítica: Noite Passada em Soho passeia vertiginosamente pela falsa nostalgia

Por Gus Fiaux

Edgar Wright está de volta aos cinemas com seu mais novo projeto, Noite Passada em Soho – um terror com toques sobrenaturais, a primeira incursão do cineasta em uma versão mais “séria” do gênero. O filme é estrelado por Thomasin McKenzie Anya Taylor-Joy, além de contar com a participação de Diana Rigg, Terrence Stamp e Matt Smith.

Muito inspirado pelo giallo italiano e pelo terror clássico das décadas de 60 e 70, o novo filme do diretor britânico é uma interessante visão sobre nostalgia, pertencimento e mistérios do passado que não permanecem enterrados. Nós já conferimos o longa e aqui você pode ler a nossa crítica!

Ficha Técnica

Título: Noite Passada em Soho (Last Night in Soho)

 

Direção: Edgar Wright

 

Roteiro: Edgar Wright e Krysty Wilson-Cairns

 

Data de lançamento: 18 de novembro de 2021

 

País de origem: Reino Unido

 

Duração: 1h 56min

 

Sinopse: Uma jovem apaixonada por design de moda pode viajar misteriosamente para os anos 60, onde conhece uma cantora deslumbrante. Mas a década de 1960 em Londres não é o que parece, e o tempo parece desmoronar com consequências sombrias.

Noite Passada em Soho está em cartaz nos cinemas.

Noite Passada em Soho: Medo e Delírio em Londres

Quando Edgar Wright anunciou que seu novo projeto seria um filme de terror sério e sombrio – diferente dos seus brilhantes longas que compõem a Trilogia do Cornetto, que possuem um ar muito mais cômico -, o cineasta decidiu dar aos seus fãs um gostinho do que estaria por vir, ao dizer que suas maiores inspirações para o projeto eram filmes clássicos como Repulsa ao Sexo (1965) e Inverno de Sangue em Veneza (1973).

Essas referências são bem claras já na primeira meia hora de Noite Passada em Soho, seja quando olhamos pelo viés da repressão sexual e a vida “casta” de sua protagonista, Eloise “Ellie” Turner (interpretada por Thomasin McKenzie) ou até mesmo pela forte conexão que o horror estabelece com o local onde se passa a trama, criando um senso de perigo geográfico impressionante.

O que Edgar Wright “falhou em mencionar” (por falta de uma expressão melhor) é que o filme também teria muito a ver com O Fantasma do Paraíso (1974). Claro, o longa de Brian De Palma já parte para outra pegada, com um ar mais divertido e caricato – mas é difícil não encontrar semelhanças, seja na história da perda de uma identidade, dos duplos estabelecidos e, é claro, pelo visual marcante e mirabolante.

Thomasin McKenzie faz o papel de Ellie, uma menina com um dom sobrenatural.

Quem acompanha o trabalho do cineasta britânico sabe que O Fantasma do Paraíso já foi inspiração para vários de seus filmes – como, por exemplo, o divertido Scott Pilgrim Contra o Mundo. Wright tem seus próprios signos e maneirismos de direção, sempre desassociando-se da “rota tradicional” de contar histórias, ao mesmo tempo em que seus filmes têm um forte apelo musical e imagético.

E aqui, ele eleva isso a outra potência. À primeira vista, Noite Passada em Soho parece um ponto fora da curva na carreira do diretor, não apenas por seu toque mais sombrio e sisudo, mas também por não começar já explorando todas as maluquices que Wright gosta de explorar na fotografia, edição e até nos efeitos visuais. Porém, aos poucos, a narrativa vai dando lugar a algo mais obscuro e é aí que ele abre as portas para uma viagem quase lisérgica.

Na trama, Ellie Turner se muda para Londres para estudar moda em uma universidade, mas descobre que pode, de alguma maneira, “viajar no tempo” até os anos 60, onde vê um pouco da vida de Sandie (vivida por Anya Taylor-Joy), uma aspirante a cantora que acaba desenvolvendo um relacionamento conturbado com seu agente, Jack (esse vivido por Matt Smith). Aos poucos, passado e presente começam a convergir.

Anya Taylor-Joy é Sandie, uma cantora que viveu durante os anos 60.

O que Wright faz aqui é criar um senso até um pouco moralista de depravação e perda da inocência. Através da vida de Sandie, Ellie – que sempre foi uma menina do interior com grandes sonhos para a cidade grande – começa a ser perseguida pelos fantasmas do passado, ao mesmo tempo em que tenta solucionar um mistério que pode ter deixado um culpado livre no presente.

E eis que, ao longo de suas duas horas, o filme se propõe a estudar esse mistério com afinco, enquanto cria um visual imersivo e alucinante, e desconstrói alguns propósitos do giallo. É um filme que está bem alinhado com Maligno, nesse sentido, por olhar para o subgênero italiano com uma ótica revisionista, ao mesmo tempo em que homenageia o estilo e alguns arquétipos desse movimento.

Ainda assim, o que mais me cativa em Noite Passada em Soho é como o longa viaja pela ideia de falsa nostalgia – você sabe, porque isso está mais comum que nunca: a nostalgia por algo que nunca se viveu. O sentimento que é causado única e exclusivamente pela apreciação midiática e que “distorce” os males de cada período para passar a imagem de uma época intocável e perfeita.

Filme aposta ferrenhamente no conceito da dualidade.

Basta pensar, por exemplo, em Stranger Things e a centena de produtos que saíram após a estreia da série, todos vendendo a imagem de uma década de 80 nos Estados Unidos que simplesmente não existiu – ao menos, não desse jeito. Quando aprofundamos essa ideia, percebemos que o público (em sua maioria composto por pessoas que nem sequer viveu nessa época) desenvolve um sentimento de “falsa nostalgia”.

Nesse sentido, Noite Passada em Soho está muito mais alinhado com Meia-Noite em Paris, por tratar de uma descoberta em relação ao que há de bom e de ruim no passado. Tudo isso enquanto as duas épocas colidem e dão um banho de água fria na protagonista. É maduro e é bem interessante, ainda que o filme caia em algumas repetições de jump scares e tenha uma certa barriga na metade.

Assim, é mais uma obra muito interessante de Edgar Wright – que nos surpreendeu muito como Em Ritmo de Fuga. Com ótimas interpretações e um horror crescente e amadurecido, o filme não apenas entrega questionamentos bem relevantes, como também renega a ideia do “visual como espetáculo”. Como em outros filmes de Wright, a estética é a própria narrativa.

4.5/5

Noite Passada em Soho está em cartaz nos cinemas.

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