Crítica: Não Olhe para Cima, da Netflix, é uma comédia absurda para tempos absurdos
Crítica: Não Olhe para Cima, da Netflix, é uma comédia absurda para tempos absurdos
Novo filme de Adam McKay aposta em elenco estelar e crítica óbvia, mas eficaz!
Após lançar dois filmes de “prestígio” como A Grande Aposta e Vice, o diretor Adam McKay retorna às suas raízes para oferecer ao público uma comédia mais escrachada em Não Olhe para Cima. O filme, que se propõe a estudar a histeria global em temos de catástrofe – não muito diferente do que estamos vivendo atualmente – ainda conta com um elenco repleto de astros, como Jennifer Lawrence, Leonardo DiCaprio e Meryl Streep.
Embora a maior parte de suas críticas seja óbvia desde o início, trata-se de uma aposta curiosa da Netflix, que lida de forma explícita e absurda com temas como negacionismo e descaso político com tragédias e calamidades. Aqui, você pode encontrar a nossa crítica sobre Não Olhe para Cima, o novo filme mais comentado da plataforma digital de streaming!
Ficha Técnica
Título: Não Olhe para Cima (Don’t Look Up)
Direção: Adam McKay
Roteiro: Adam McKay e David Sirota
Data de lançamento: 24 de dezembro de 2021
País de origem: Estados Unidos
Duração: 2h 18min
Sinopse: Dois astrônomos pouco conhecidos precisam ir em uma grande turnê midiática para avisar a humanidade que um cometa vai destruir o planeta Terra.
Não Olhe para Cima: Uma ode ao fim do mundo
Em uma era onde a sutileza é dispensada em prol do que é escancarado e dito com todas as letras, Não Olhe para Cima transforma o que seria mundano e pouco inventivo em algo quase genial. O novo trabalho de Adam McKay é uma ode ao fim do mundo como conhecemos – não um básico filme-catástrofe aos moldes de Armageddon ou até Impacto Profundo, mas uma trama regada pela burrice da humanidade.
Burrice talvez seja um termo muito “bruto” para falar das camadas do filme, mas é o mais próximo que temos do que vemos nos noticiários, nas ruas e nas redes sociais. Em frente a uma calamidade capaz de aniquilar toda a espécie, o povo se divide entre quem quer escutar os cientistas e quem vê no negacionismo não apenas um conforto, mas sim a ferramenta política necessária para controlar as massas.
E tudo começa da forma mais simples possível. Nos primeiros minutos, Kate Dibiasky (interpretada por Jennifer Lawrence, excepcional no papel) descobre um meteoro e logo avisa ao seu superior, o Dr. Randall Mindy (que é vivido por Leonardo DiCaprio, em uma performance simples mas eficaz). Os dois começam a fazer as pesquisas e descobrem que o novo corpo celeste está em rota de colisão para a Terra.
O que poderia ser algo facilmente contornável se torna um grande joguete político quando Kate e Randall precisam alertar o governo norte-americano sobre a tragédia anunciada. A Presidente Orlean (Meryl Streep, que não se diverte tanto em um filme desde que Mamma Mia! chegou aos cinemas) e seus assessores – incluindo seu filho, o mimado Jason Orlean (Jonah Hill acertou em cheio na criação de um personagem detestável) não estão nem aí.
A partir daí, começa o grande surto que, há alguns anos, seria tido como algo forçado e sem sentido, já que “ninguém se comportaria desse jeito em frente ao fim do mundo“. Bem, com dois anos de pandemia e muita coisa pior por vir, sabemos que se comportariam sim. Na verdade, o filme até pega leve na hora de demonstrar o estado histérico que a humanidade pode adotar frente a uma crise global.
Nesse sentido, Não Olhe para Cima poderia até pecar por ser “óbvio demais”, “muito na cara” ou até por “não ir atrás de uma abordagem nova”, mas a verdade é que McKay – pela primeira vez em anos – não está tentando parecer mais inteligente do que é, sem apelar para firulas visuais, inserts explicativos e pausas dramáticas. Na verdade, ele conduz o filme com simplicidade e um senso de “isso é óbvio, mas as pessoas precisam ver mesmo assim“.
O problema começa quando o filme tenta introduzir muito mais personagens do que tem a capacidade de trabalhar – e a grande questão nem é transformá-los em caricaturas, já que literalmente todos os personagens do filme (talvez, com exceção do trio de Lawrence, DiCaprio e Rob Morgan) são caricaturas à sua maneira. A problemática começa quando muitas dessas figuras são jogadas apenas porque X arquétipos eram necessários para contar essa história.
Um exemplo disso é a personagem de Cate Blanchett. A atriz está ótima e consegue convencer muito bem como a repórter antiética que parece ter saído dos celeiros da Fox News, mas sua personagem parece bem deslocada de toda a narrativa e só serve para dar um conflito pessoal e moral para o personagem de DiCaprio. O mesmo vale para o personagem de Timothée Chalamet, que pouco acrescenta além de alguns momentos engraçadinhos.
Nesse elenco, talvez o único que se saia bem é Mark Rylance no papel de Peter Isherwell, um bilionário avoado e excêntrico, que reflete perfeitamente os tiques e surtos da new age de ricaços como Jeff Bezos e Elon Musk. E isso é bem incorporado no filme, exceto quando o próprio roteiro parece esquecer dele durante um bom tempo de duração para apenas resgatá-lo na reta final do longa.
A duração, aliás, é outro problema. Na pressa de apresentar tantos personagens e dar a eles um mínimo tempo de tela, Não Olhe para Cima acaba ficando inchado. Das suas duas horas e dezoito minutos, temos várias cenas que poderiam facilmente ter caído na sala de edição ou então encurtadas, porque as piadas – apesar de boas – se tornam esticadas à exaustão, principalmente quando a câmera de McKay gosta de um ator.
Mas no geral, em meio a risos nervosos e ranger de dentes, o filme consegue divertir através do absurdo de suas situações, até porque vivemos em tempos tão absurdos quanto o que está em tela. Isso gera um sorriso amarelo e um suor frio escorrendo na testa, mas o entretenimento é garantido quando McKay vai até alguns extremos para criticar o status quo da contemporaneidade.
Um exemplo perfeito disso é Riley Bina e DJ Chello (vividos por Ariana Grande e Kid Cudi). Os dois seriam até descartáveis na trama se não estivessem tão afinados em um timing cômico que beira o non-sense – ao mesmo tempo em que isso serve como um breve holofote para a alienação das massas e a necessidade de celebridades e influenciadores que se posicionem, para guiar a manada ao pensamento crítico.
E claro que isso acaba levando a outros tópicos paralelos, mas o filme consegue não morrer só na crítica escrachada à pandemia do COVID-19. Existe uma forte subtrama sobre o trabalho de Kate ser “roubado” por Randall, ao mesmo tempo em que a presença de uma presidente faz com que nos questionemos: “será que só vão achar tudo isso um absurdo porque ela é mulher?” – quando presidentes homens falam e fazem coisas piores e mais absurdas.
No fim, Não Olhe para Cima talvez seja um carro-chefe fraco para a Netflix no que diz respeito à corrida do Oscar – afinal de contas, é um filme muito óbvio e que apela para um fator camp e de “mau gosto” que geralmente não é visto com bons olhos pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Por outro lado, é um entretenimento garantido que explana o óbvio em uma época em que até isso é duvidado, questionado e colocado à prova.
Em seu mais novo filme, Adam McKay prova que consegue ser como era antes – um diretor sincero e direto ao ponto, que não precisa de muito para entreter e divertir, e que também não carrega uma auto-importância descabida. Claro, não é o filme mais genial de todos os tempos, mas a verdade é que o momento atual exige algo muito mais na cara e desconfortável, sem espaço para sutilezas e licenças poéticas.
Não Olhe para Cima está disponível na Netflix.
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