Crítica: A Mulher na Janela é um verdadeiro delírio coletivo
Crítica: A Mulher na Janela é um verdadeiro delírio coletivo
Novo filme da Netflix vai fazer você se perguntar: por quê?
Finalizado desde 2019, A Mulher na Janela era um daqueles filmes que já estava virando uma lenda urbana. O longa foi exibido em sessões de teste para o público (em uma época onde a venda da Fox para a Disney ainda estava no início) e logo recebeu reações desastrosas. De lá para cá, o projeto foi tirado do calendário dos cinemas e nós nem sabíamos se ele chegaria a ser lançado.
Pois bem, eis que em 2021, a Netflix decidiu comprar os direitos do longa para exibi-lo em seu catálogo. Desse modo, a Disney poderia desovar o projeto sem deixar pistas, e o resultado final está entre nós, tendo chegado à plataforma de streaming no dia 14 de maio. Agora, você pode conferir aqui a nossa crítica de A Mulher na Janela, o mais novo filme de Amy Adams.
Ficha Técnica
Título: A Mulher na Janela (The Woman in the Window)
Direção: Joe Wright
Roteiro: Tracy Letts
Ano: 2021
Data de lançamento: 14 de maio (Netflix Brasil)
Duração: 100 minutos
Sinopse: Uma mulher agorafóbica vivendo sozinha em sua casa em Nova York começa a espionar seus vizinhos, apenas para testemunhar uma violência perturbadora.
A Mulher na Janela é um verdadeiro delírio coletivo
Julgue-me se quiser, mas ouso dizer que a maioria esmagadora do interesse acerca de A Mulher na Janela parte de um único princípio: curiosidade mórbida. Anunciado há muitos anos, o projeto foi desenvolvido para ser um grande filme de projeção da Fox e de Amy Adams, baseando-se no livro homônimo de A.J. Finn. O resultado não poderia ser mais distante do que o estúdio esperava alcançar originalmente: logo nas sessões de teste, a reação dos espectadores foi de puro terror com o que estava vendo – não por sua trama, mas por sua qualidade.
O filme logo foi tirado do calendário e ficamos anos na espera de que alguma alma caridosa pudesse, de repente, só vazar os arquivos para que soubéssemos se afinal, era tão ruim assim? Para nossa surpresa, o longa foi adquirido pela Netflix e finalmente podemos ter uma noção do desastre – e sendo bem honesto: não é uma catástrofe. Ao menos, não do jeito que se esperava.
A produção foi encabeçada por Joe Wright, diretor de filmes como Orgulho e Preconceito, Anna Karenina, Hanna e O Destino de uma Nação. Então, já de primeira, sabemos que há alguém competente por trás das câmeras, e não apenas um diretor qualquer com aspiração de grandeza que quer fazer tudo para chocar seu público. Pelo contrário, o trabalho de Joe é, até certo ponto, bom e muito atmosférico, sobretudo na primeira metade do filme onde vamos ao mundo isolado de Anna Fox, a mulher fuxiqueira que dá nome ao filme.
Anna sofre de agorafobia e, portanto, não consegue sair de casa sem passar mal. Ela não tem problema de conviver com outras pessoas, como bem mostra ao longo do filme, mas não consegue lidar com multidões e locais abertos. E em sua casa, ela constrói uma fortaleza na qual pode viver sossegada, fazendo seu trabalho enquanto lida com seu inquilino misterioso e os vizinhos novos. Porém, entediada, ela começa a fazer o que qualquer um faria em seu lugar – espiar os moradores da casa ao lado.
Essa é a premissa básica da história e falar muita coisa pode prejudicar o espectador que quer ir sem spoilers. Basta adiantar que, em algum momento, Anna testemunha um evento brutal e isso dá início à cadeia de eventos que vai mudar sua vida de uma vez por todas. Pois bem, ao colocar A Mulher na Janela para assistir, confesso que estava esperando um desastre inicial desde o primeiro segundo. Porém, fui me pegando entretido pela história e fascinado com as escolhas estéticas de Joe Wright. Até a metade, a pergunta era: “o que tem de tão ruim nisso?”
Porém, assim que o filme dá sua primeira virada dramática, a pergunta vira: “por quê?”
A realidade é que A Mulher na Janela está longe de ser esse desastre anunciado que todos pintam. É um filme com seus vários méritos e pontos positivos, com destaque para a atuação de Amy Adams – que, como sempre, está dando a interpretação de sua vida aqui, na esperança de conquistar a tão sonhada estatueta dourada que lhe foi negada várias vezes nos últimos anos. Porém, há de se admitir que o filme é um verdadeiro trem descarrilhado e, depois de sua reviravolta inicial, entramos em um terreno de medo e delírio na Residência Fox.
O longa mergulha fundo no terreno do absurdo. Se até ali a principal inspiração que ditava a trama era o clássico Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock, da metade em diante o filme assume a forma de um giallo italiano, quase como os filmes mais experimentais de Dario Argento e Lucio Fulci. Isso não só é retratado na estética – há uma cena linda que parece ter saído direto de O Pássaro das Plumas de Cristal – mas também na montagem, no trabalho sonoro e até mesmo nas atuações.
Digo isso porque o filme tem um elenco surpreendentemente bom, recheado de nomes famosos como Julianne Moore, Gary Oldman, Anthony Mackie, Jennifer Jason Leigh e Wyatt Russell. Contudo, é quase como se todos eles estivessem em um nível completamente diferente de Amy Adams, que faz um profundo estudo de sua personagem. Os demais estão se divertindo muito – e isso é tão palpável que nós acabamos nos divertindo junto – e isso não combina nada com os contornos sombrios e dramáticos de Anna Fox.
E seria fácil culpar o roteirista Tracy Letts ou qualquer outro membro da produção por isso, mas a verdade é que A Mulher na Janela só é do jeito que é por conta de seu material fonte. O livro de A.J. Finn (autor que possui uma história tão fascinante e polêmica quanto sua obra) é um show de variedades e reviravoltas, com cada página dando um susto diferente no leitor. Se você sair do livro sem ter tido um infarto ou um ataque epilético, considere-se muito sortudo. E o filme, ainda que tente amenizar um pouco das reviravoltas inusitadas (e apelativas), acaba sendo fiel ao retratar a história com todos os seus contornos e plot twists.
No fim, o que resta é não levar nada do que vemos a sério – e quando fazemos isso, o filme realmente adquire várias qualidades que eram invisíveis até então. Além da trama veloz, temos um festival de atuações exageradas e caricatas, uma Amy Adams completamente descompensada e reviravoltas tão – perdão pela palavra – burras que tudo acaba sendo divertido e engraçado. É, por exemplo, um ótimo filme para ver com aquele seu amigo que não consegue assistir nada sem fazer trinta piadas sem graça – garanto que até elas vão ficar engraçadas.
Por essas e outras, digo que entendo a reação inicial das pessoas naquelas sessões de teste sobre A Mulher na Janela. Definitivamente, é um filme que pode soar desastroso à primeira vista – e se você for esperando algo muito cerebral ou dramático, nos moldes de Garota Exemplar, certamente vai encontrar algo medonho. Porém, se você já for esperando a bagaceira, ela virá até você como um presente e duvido que você não vai sair com um mísero sorriso do rosto, mesmo odiando tudo que acabou de ver.
A Mulher na Janela está disponível no catálogo da Netflix.
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