Crítica – Matrix Resurrections: Lana Wachowski revisita o passado da franquia com boas doses de nostalgia
Crítica – Matrix Resurrections: Lana Wachowski revisita o passado da franquia com boas doses de nostalgia
Filme respeita o legado de Matrix, enquanto reinventa seu próprio universo de forma mais intimista
Atenção: Alerta de Spoilers!
Mais de duas décadas após o lançamento revolucionário de seu primeiro filme, a franquia Matrix finalmente retorna aos cinemas neste final de ano com Matrix Resurrections. Criado pelas Irmãs Wachowski, a franquia é conhecida por trazer técnicas inovadoras ao universo cinematográfico, enquanto abordava questões existencialistas e filosóficas em sua trama.
Apesar das sequências – Reloaded e Revolutions – dividirem opiniões de crítica e público, Resurrections chega às telonas sob o comando solo de Lana Wachowski e apresenta um respiro necessário ao mundo dos blockbusters. Além disso, o filme ainda presta uma homenagem aos eventos que consagraram a franquia no cinema, usando a nostalgia como gancho para algo maior.
Ficha técnica
Título: Matrix Resurrections
Direção: Lana Wachowski
Roteiro: Lana Wachowski, David Mitchell e Aleksandar Hemon
Data de lançamento: 22 de dezembro de 2021
País de origem: Estados Unidos
Duração: 2h 28min
Sinopse: Em um mundo de duas realidades – a vida cotidiana e o que está por trás dela – Thomas Anderson terá que escolher seguir o coelho branco mais uma vez. A escolha, embora seja uma ilusão, ainda é a única maneira de entrar ou sair da Matrix, que é mais forte, mais segura e mais perigosa do que nunca.
Nostalgia: sutil, mas potente
Se existe uma palavra capaz de definir Matrix Resurrections é nostalgia e não tem como comentar sobre o filme sem esbarrar em alguns spoilers. Etimologicamente, a palavra é formada pelos termos gregos nóstos, que significa retorno à casa, e álgos, que significa dor. Traduzindo, a nostalgia nada mais é do que a sensação de dor associada à uma lembrança ou ausência, e é exatamente isso que Thomas Anderson – ou Neo (Keanu Reeves) – está vivendo em Resurrections.
Preso na mesmice de seu cotidiano, Thomas é um famoso designer de games, reconhecido pela The Game Awards por criar a trilogia Matrix, um universo virtual em que os seres humanos estão em guerra contra as máquinas. Todos os dias ele acorda, vai trabalhar e volta para casa, assim como qualquer pessoa comum. A diferença é que, diariamente, ele tenta se convencer de que aquela realidade virtual que ele criou é apenas um jogo e não uma lembrança de um passado distante e nebuloso.
Para ajudá-lo a superar isso, seu terapeuta (Neil Patrick Harris) está sempre à disposição. Suas pílulas azuis estão prontas para serem receitadas a cada consulta e a cada crise que Thomas venha a ter. Mas quando o nosso protagonista é obrigado a revisitar sua criação, já que a companhia Warner Bros. (sim, essa mesma que você está pensando), a dona do estúdio que deu vida ao jogo, quer que “Matrix 4” aconteça, Thomas começa a questionar a realidade ao seu redor, perguntando-se se existe alguma coisa por aí que está além de sua compreensão.
Movimentando outro lado da trama, temos a estreia de Bugs (Jessica Henwick), que, com um passado enigmático e domínio incrível nas cenas de ação, se destaca como uma das personagens mais interessantes da franquia até então. Nos primeiros momentos de Resurrections, ela é introduzida em uma sequência eletrizante e recheada de déjà vu, que faz referência aos eventos iniciais do primeiro filme, de 1999. Já vimos tudo aquilo, conhecemos aquela história e sabemos como Trinity (Carrie-Anne Moss) vai conseguir sair daquela situação. Simples assim. Ou não?
Por falar em Trinity, em Resurrections, assim como Neo, a personagem também está presa na simulação. Em sua nova vida, Trinity é Tiffany, mãe de dois meninos e que, aparentemente, vive a vida perfeita. Nem mesmo o encontro com Neo, num restaurante, é capaz de reativar suas memórias. “Nós nos conhecemos?”, ela pergunta a ele, franzindo a testa. É como se o gato preto estivesse ali à espreita, pronto para atacar. Ou como se a forma de uma ideia estivesse surgindo, as palavras ainda presas na garganta.
Isso nos leva ao Agente Smith que, em Resurrections, está sempre à espreita de Neo. Aqui, o antagonista é interpretado por Jonathan Groff. O personagem traz ótimas reflexões acerca das oposições que rodeiam a nossa vida, como dia e noite, herói e vilão, ou Anderson e Smith, como ele bem cita em uma das cenas. Apesar do embate entre os dois não ser tão expressivo neste filme quanto é nos outros, Groff também é um destaque da trama, fazendo com que nós nos lembremos várias vezes de Hugo Weaving, que interpretou o vilão nos filmes anteriores.
Voltando à Bugs, a personagem é parte fundamental da trama, sendo a responsável por guiar Thomas – ou Neo – de volta à Matrix verdadeira. Não aquela simulação virtual criada pelo designer de games, e sim a simulação poderosa e quase imbatível que aprisiona todos os seres humanos na vida real. Além dela, o novo Morpheus, vivido por Yahya Abdul-Mateen II, também marca presença de um jeito completamente diferente e, às vezes, até contido. Enquanto (re)aprende a ser seu “verdadeiro” eu, há diversas referências ao Morpheus de Laurence Fishburne, deixando os fãs ainda mais nostálgicos.
A sensação de estranhamento acompanhada do déjà vu pode até soar repetitiva em alguns momentos, mas isso não atrapalha a dinâmica das cenas. Pelo contrário: elas se tornam necessárias para reafirmar a nostalgia presente no enredo. É aqui que a montagem do filme age com maestria, tornando-se um aspecto fundamental para dar ao telespectador a sensação de verossimilhança e, claro, déjà vu. Até mesmo a trilha sonora reforça a sensação, que está presente durante todo o filme.
“Nostalgia: sutil, mas potente”, é uma frase dita pelo personagem Don Draper, na série Mad Men. No monólogo, presente na primeira temporada, Draper disserta sobre como o conceito de nostalgia da Grécia antiga está relacionada à dor de uma antiga ferida, algo mais poderoso do que a memória em si. É como se estivéssemos em um carrossel, que gira e gira e gira e retorna ao mesmo lugar em que estávamos. Ideia familiar, não?
Para Neo, tudo gira e volta ao mesmo lugar. A dor de uma ferida antiga nunca o deixa totalmente. A Matrix sempre retorna, e é um ciclo sem fim. Em Resurrections, ele tenta lutar contra isso, por mais que saiba que há algo nas entrelinhas. E quando ele finalmente cede e reencontra seu verdadeiro eu, é Trinity que aparece como sua principal motivação. Ela é — e sempre foi — sua escolha mais importante.
Isso nos traz a reflexão de que tudo se resume a escolhas. Por mais simples que elas sejam, todos os dias nós decidimos ir por um caminho ou por outro. Muitos são atormentados pelos “e se”, enquanto outros nem se dão conta de que o simples fato de nos levantarmos da cama é uma escolha. No universo de Matrix, as escolhas são fundamentais para entendermos a complexidade dos personagens e até mesmo as camadas narrativas.
A cena emblemática do confronto final entre Neo e o Agente Smith, em Matrix Revolutions, resume bem essa ideia. Quando Smith pergunta a Neo “Porquê você persiste?” e Neo responde “Porque eu escolho persistir”, isso reflete a capacidade humana em continuar vivendo, mesmo diante do destino iminente da morte. Ora, se conhecemos o final da nossa jornada, por que persistimos? Simples: nós escolhemos. Mas, se nós não sabemos o que é real, como vamos resistir? É esse questionamento que a nova versão de Morpheus faz em Resurrections e que está presente em toda a atmosfera do filme.
O respeito ao legado de Matrix
Assim como Reloaded e Revolutions, Matrix Resurrections pode ser um divisor de águas entre o público, seja pela nostalgia que pode soar apelativa para agradar aos fãs ou por seu ritmo mais lento e reflexivo. No entanto, as tímidas cenas de ação (se comparadas às dos outros filmes da franquia) e algumas escolhas narrativas um tanto quanto previsíveis não atrapalham a experiência cinematográfica, que apresenta visuais impressionantes e reflexões interessantes.
A crítica à própria nostalgia em si e à necessidade da indústria de Hollywood em recriar as mesmas histórias incansavelmente são dois pontos que permeiam toda a produção. Lana Wachowski soube muito bem como conduzir seu grande espetáculo, apoiando-se em uma metalinguagem essencial para dar ressignificado à obra em meio a contemporaneidade.
Além disso, o longa não deixa de refletir sobre a nossa própria sociedade, assim como os filmes antecessores também propõem. As promessas incríveis que somente a tecnologia nos fornece, como mundos virtuais e inovações de última geração, são artifícios invasivos que nos tornam cada vez mais reféns de nós mesmos. Isolados e distantes, vivemos presos em nossas próprias ficções, criamos a nossa própria Matrix. Afinal, por que sair do virtual, se a realidade é tão desprezível, triste e degradante?
Em Resurrections, Neo sabe disso mais do que ninguém quando tenta salvar Trinity da perversa manipulação das máquinas. E se ela não quiser acordar? Mesmo com receio do futuro, Neo precisa ao menos tentar. E mais: desta vez, ele tem que aprender a deixar a escolha nas mãos de Trinity. E confiar na única pessoa que amou verdadeiramente.
Já em relação aos novos rostos na franquia, o analista de Neo, interpretado por Neil Patrick Harris, e a personagem de Priyanka Chopra Jones – que pode ser encarada como apenas uma dose de fanservice, evidenciam a previsibilidade de algumas escolhas do roteiro, que é escrito por Lana Wachowski, em parceria com David Mitchell e Aleksandar Hemon. Sobre o personagem de Neil Patrick Harris, apesar de ser uma peça fundamental na trama, ele traz alguns clichês já desgastados de Hollywood. Mais uma vez, as fórmulas conhecidas não fazem com que a trama se perca, já que, mesmo diante do mesmo universo, ainda consegue trazer perspectivas novas e intrigantes.
Por fim, Matrix Resurrections cumpre o que promete, revitalizando uma franquia tão revolucionária na história do cinema. Mesmo com a ausência da irmã, Lily Wachowski, e todas as dúvidas referentes à produção do filme em meio a pandemia de coronavírus, Lana não decepciona. O legado de Matrix permanece firme e forte, ganhando abordagens inéditas e até mesmo momentos de alívio cômico. Além disso, Resurrections comprova aquilo que já está explícito desde o início: o amor entre Neo e Trinity é a essência de Matrix. Sem ele, nosso protagonista não teria persistido, ou melhor, sem Trinity, ele não teria escolhido persistir.
Matrix Resurrections estreia dia 22 de dezembro exclusivamente nos cinemas.
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