Crítica: Halloween Kills é uma bagunça decepcionante
Crítica: Halloween Kills é uma bagunça decepcionante
Cidade de Haddonfield enfrenta Michael Myers em continuação arrastada e infestada de obviedades
Tal qual seu maníaco principal, Halloween simplesmente se recusa a morrer! Durante as últimas quatro décadas, a franquia recebeu lançamentos frequentes, entre sequências de procedência duvidosa e até remakes pelo músico/cineasta Rob Zombie. Mas quem revigorou o espírito da série para os dias de hoje foi Halloween (2018), continuação direta do clássico de 1978 que trouxe o conflito entre Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) e o assassino Michael Myers para os dias de hoje.
O sucessor espiritual foi um respiro de alívio aos fãs, que receberam um slasher modernizado que realmente entendia a essência do original. Infelizmente tudo que é bom dura pouco, e pouco após o longa impressionar a crítica e a bilheteria, duas continuações foram aprovadas. Halloween Kills, o recém-lançado segundo filme dessa nova trilogia, corre confuso na direção contrária de todos os acertos de seu antecessor.
Ficha técnica
Título: Halloween Kills: O Terror Continua (Halloween Kills)
Direção: David Gordon Green
Roteiro: Danny McBride, Scott Teems, David Gordon Green
Ano: 2021
Data de lançamento: 14 de outubro de 2021
Duração: 1h 45m
Sinopse: Michael Myers sobrevive à emboscada da família Strode, e parte em uma nova série de assassinatos que desperta a ira dos moradores da cidade de Haddonfield
A morte chegou à pequena cidade
A trama de Halloween Kills retorna à noite de dia das bruxas de 2018, iniciada no capítulo anterior, e acompanha gradualmente a pacata cidade de Haddonfield, nos Estados Unidos, descobrindo que um novo massacre aconteceu em suas ruas suburbanas, justo no 40º aniversário da tragédia original. O pesadelo, porém, parece longe de acabar quando o maníaco Michael Myers sobrevive à uma emboscada, e parte em busca de mais sangue.
Com 11 filmes ao longo de quarenta anos, Halloween já explorou quase toda abordagem possível para o seu universo, desde a origem do serial killer como um garoto vítima de bullying e de uma família abusiva, até mesmo cultos satânicos operando no submundo da cidadezinha. Essa noção parece atormentar os roteiristas David Gordon-Green, Danny McBride e Scott Teems, que buscam qualquer fagulha de novidade para tocar o capítulo do meio. Esse esforço, nascido do desespero, cria o maior erro do longa dentro do contexto da franquia: tirar o foco da obsessão de Michael Myers por Laurie Strode.
Ainda que o slasher seja conhecido como o subgênero do excesso, o Halloween original se mantém em um altar macabro por ser um terror minimalista. Com pouco dinheiro e muitos amigos, os criadores John Carpenter e Debra Hill apostaram no suspense, e no desconforto criado pela sensação de que as vítimas em potencial eram pessoas comuns, isoladas dentro do próprio bairro seguro que viviam. Um massacre pode estar acontecendo na casa do seu vizinho, e você sequer ia saber até que fosse tarde demais. A dinâmica entre Myers e Strode surge nesse contexto, com a babá caindo nas graças do assassino por nada mais que uma infeliz coincidência.
O filme de 2018 entende muito bem a essência da franquia, e buscou inovar dentro desses termos ao demonstrar como os atos cruéis do maníaco mascarado atormentaram a vida de Laurie para sempre, efetivamente a isolando de sua própria família. Para ela, o terror não acabou naquela noite de 1978. Halloween Kills, por sua vez, joga a protagonista de escanteio, para se curar dos ferimentos de batalha em uma cama de hospital.
Com medo de deixar o ritmo desacelerar, a trama então segue Haddonfield sendo tomada pelo pânico descontrolado, pela perspectiva de outros sobreviventes do original. Ainda que Tommy Doyle (aqui vivido por Anthony Michael Hall, de Clube dos Cinco) e Lindsey (Kyle Richards), as crianças sob tutela das babás assassinadas em 1978, tenham passado por traumas consideráveis, o protagonismo deles não tem uma fração do peso e impacto que o de Laurie.
A filha e neta da sobrevivente, Karen (Judy Greer) e Allyson (Andi Matichak), poderiam carregar adiante esse legado, especialmente por terem sido vítimas – indiretas e diretas – do horror causado pelo serial killer, mas elas também são mal utilizadas. Apesar de Karen ter mostrado sua força para ação na conclusão do anterior, aqui ela é colocada em uma função de bússola ética para o restante da cidade, que diminui uma boa personagem e uma ótima atriz a um papel que beira o irritante de tanta inocência fora de hora. Já Allyson, por sua vez, se torna uma caçadora impiedosa, em um arco com potencial mas sem o desenvolvimento devido.
O Mal morre esta noite
Sem os holofotes nas Strode, Halloween Kills tenta convencer através de uma trama de histeria e caos. Tommy Doyle, Lindsey e Lonnie Elam (Robert Longstreet) organizam uma milícia para caçar Michael Myers, e acabar com sua onda de terror de uma vez por todas. Boa parte do filme é dedicado à preparação para esse confronto final, com o trio de sobreviventes recrutando outros personagens desinteressantes para a luta.
Seguir personagens tão secundários assim – o garoto Lonnie, por exemplo, tem apenas duas cenas no filme original – já é uma decisão bastante questionável, mas é pior ainda pela forma que foi conduzida, com uma avalanche de bordões repetitivos e motivações fracas. O longa não consegue esconder o sofrimento de ser o capítulo do meio de algo maior, e se vê impossibilitado de seguir sua trama sem canibalizar grandes viradas que estão reservadas para a conclusão dessa trilogia. O que poderia ser apenas um slasher honesto então toma a decisão de tentar um raso comentário social, sobre o estado da cidade de Haddonfield.
A população da cidadezinha se irrita com a ineficiência da lei, e decide sujar as próprias mãos. Sem avançar além desse caos superficial, a trama larga o uso de subtexto e faz com que todos os personagens discutam abertamente os temas que o filme está tentando abordar, de como o medo muda as pessoas comuns.
Um segmento considerável é dedicado à população enraivecida perseguindo o homem errado, que achavam ser Michael Myers. Após a inevitável conclusão trágica, sem nenhuma vergonha na cara, um dos personagens tem a pachorra de soltar algo como: “Talvez nós sejamos os verdadeiros monstros”.
O momento é a melhor representação de Halloween Kills, que cospe frases de efeito na tentativa de soar mais inteligente do que é. E o problema não é a ideia em si, de ter Haddonfield contra o Vulto, mas sim sua execução morna: Além da Imaginação, a visionária série de Rod Serling, já tocava nessa mesma premissa em 1960 com o excelente episódio “O Monstro da Rua Maple”, conduzido com muito mais suspense e impacto do que o novo filme de Michael Myers.
O que surpreende é a dualidade em nadar contra a identidade da franquia ao mesmo tempo que é absurdamente derivativo do clássico. Enquanto o antecessor modernizou a trama, a continuação vive na sombra do original, com várias cenas de flashback e incansáveis diálogos sobre os eventos de 1978. É um filme que simultaneamente quer seguir em frente mas que nunca para de falar sobre o passado.
Rastro de maldade
Nem tudo está perdido, e há uma lista considerável do que pode ser salvo. O elenco principal é bem forte, e a trilha sonora de John Carpenter – feita com Daniel Davies e Cody Carpenter, filho do cineasta – ainda consegue arrepiar até a alma, especialmente com as atualizações aos hits clássicos. O tema principal agora ganha um tom fantasmagórico que se amarra muito bem com a presença de Michael Myers, que cada vez mais deixa seus últimos resquícios de humanidade para trás, e se torna um assassino sobrenatural aos moldes de Jason Vorhees, de Sexta-Feira 13.
O diretor David Gordon Green entende isso muito bem, e demonstra que é um expert em retratar a imponência, a ameaça e olhar distante do Vulto. Ao longo de toda a franquia, essa talvez seja a melhor versão de Michael Myers, cujo tempo apenas o tornou mais frio e violento. De todos os problemas de Halloween Kills, a direção definitivamente não é um deles, e o cineasta se mostra confiante em homenagear o estilo de John Carpenter ao mesmo tempo que introduz a sua própria linguagem.
Infelizmente, a violência em si é bastante preguiçosa. Não entenda errado: há sangue o bastante para nenhum fã de desgraceira botar defeito, mas nenhuma das mortes é realmente memorável. Myers esfaqueia, quebra pescoços e arremessa vítimas como se fossem feitas de papel, porém são aqui são raros os momentos em que a criatividade sádica do maníaco é evidenciada.
O antecessor teve cabeças explodindo, uma abóbora decorativa humana, e até mesmo um garoto empalado nas lanças de um portão. Dentro dos padrões da própria franquia, é um filme bem seguro quando se trata de sanguinolência.
Aliás, essa comparação é válida no geral. Em outros tempos, talvez Halloween Kills fosse decente, mas não agora. Não só o longa carrega o peso de um antecessor excelente, como também os slashers passam por uma nova era de ouro.
Com títulos como Maligno, Freaky: No Corpo de um Assassino, A Lenda de Candyman, a Trilogia Rua do Medo, e muitos outros, o padrão de qualidade ficou um pouco mais exigente e variado. É bem decepcionante ter a franquia que ajudou a consagrar o subgênero entregando algo tão morno e arrastado, que deixa as próprias forças de lado para priorizar as fraquezas.
Ainda há chance de redenção com o vindouro Halloween Ends, previsto para 2022. Com David Gordon Green querendo incorporar a pandemia da Covid-19 à trama do filme, é possível ficar com um pé atrás, mas também há esperança de que uma conclusão digna para a trilogia foi planejada, novamente colocando Laurie Strode para bater cabeças com Michael Myers.
Infelizmente, antes disso, Halloween Kills fica marcado como o capítulo do meio que negou o DNA da franquia, e não apresentou nada para compensar.
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