Crítica: Gavião Arqueiro mantém a escala no chão e a qualidade no alto

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Crítica: Gavião Arqueiro mantém a escala no chão e a qualidade no alto

Por Gus Fiaux

Com seis episódios, Gavião Arqueiro (ou, talvez, a primeira temporada da série) chega ao fim no Disney+, dando continuidade à construção do vastíssimo Universo Cinematográfico da Marvel. A série apresenta o retorno de Clint Barton após os eventos de Vingadores: Ultimato e vai além na construção do futuro da franquia com a introdução de Kate Bishop, heroína juvenil cheia de empolgação para trabalhar com os maiorais.

Lançada após grandes estrondos como WandaVisionFalcão e o Soldado Invernal Loki, a série sabe diminuir toda a onda de destruição e caos mundial para se focar em personagens mais “comuns”, com universos mais intimistas e uma boa dose de clima natalino. Abaixo, você pode conferir a nossa crítica completa de Gavião Arqueiro, o último lançamento da Marvel Studios em 2021!

Ficha Técnica

Título: Gavião Arqueiro (Hawkeye)

 

Criada por: Jonathan Igla

 

Ano: 2021 (Disney+)

 

Número de episódios: 6

 

Sinopse: Na semana do Natal, Clint Barton precisa se unir à jovem Kate Bishop para resolver uma trama que envolve a máfia, espiões e a outra identidade secreta do Gavião Arqueiro…

A série do Gavião Arqueiro já está disponível no Disney+

O dia-a-dia do “herói comum”

2021 foi um ano cheio para o Universo Cinematográfico da Marvel. O retorno da franquia após um ano sem nenhum lançamento foi marcado pela estreia de filmes, séries de TV e promessas para o futuro, expandindo de forma gloriosa esse que é o maior universo compartilhado da cultura pop. Tivemos Multiverso do lado de lá, heróis milenares do lado de cá, Deuses da Trapaça e criaturas mitológicas a rodo… mas onde ficam os heróis comuns?

Como assim?“, você deve estar se perguntando. Afinal, desde que o mundo é mundo, os heróis vieram para servir como deuses entre meros mortais, figuras mitológicas entranhadas de vidas épicas e com pouco apreço pela triste e ordinária vida civil… Bem, não é bem assim. Ao menos, não desde que Stan Lee, junto de nomes como Jack Kirby e Steve Ditko entraram nessa jogada.

A maior proeza que Lee & Cia. já fizeram no mundo dos quadrinhos foi transformar os heróis em… pessoas comuns. Claro, ainda tínhamos as grandes divindades asgardianas, as pessoas-monstro e os playboys que acumulavam mais dinheiro que qualquer mortal na Terra. Mas mesmo nesses casos, a Marvel revolucionou justamente por mostrar o dia-a-dia dos heróis, com suas aventuras colossais em contraste com suas vidas mundanas e dramas pessoais.

E com vocês, a mais nova dupla heroica da Marvel: Gaviã e Gavião.

E talvez, dentro de todo o Universo Cinematográfico da MarvelGavião Arqueiro tenha sido a primeira a fazer isso funcionar de fato, sem se deixar levar por ameaças de nível cósmico ou a presença de um Multiverso lentamente formado. Não, quando Jonathan Igla assumiu a produção da série, ele recorreu à base mais sólida associada ao herói: os quadrinhos de David Aja Matt Fraction, que mostrava o Gavião Arqueiro como um cara bem comum.

Claro, ele é um Vingador e pode acertar qualquer alvo sem nem piscar os olhos. Mas o foco de suas aventuras solo nunca foi um alienígena roxo com complexo de superioridade. Na fase de Fraction, ele era um herói do povo que vivia em um prédio decadente e ajudava seus vizinhos com o que podia, enquanto ainda encontrava tempo para lutar contra mafiosos e assassinos.

E faz todo sentido do mundo que a série siga esse caminho, desde que Vingadores: Era de Ultron deu início a um projeto de humanização do herói. Ele não era apenas Clint Barton, o Vingador, mas também um pai de família que precisava fazer de tudo para se manter vivo entre os conflitos homéricos – afinal, ainda tinha sua esposa e seus filhos o esperando em casa.

Clint Barton finalmente tem a chance de brilhar.

E pela primeira vez desde a primeira aparição do personagem, lá em 2011, a Marvel acerta em cheio ao finalmente dar um pouco de destaque para Clint Barton. Beleza, foram “só” dez anos de lá para cá, mas até mesmo esse largo intervalo é ótimo para transformar o herói pelo qual ninguém ligava em uma figura rica e complexa, especialmente após os eventos de Vingadores: Ultimato.

Recapitulando: Thanos matou metade do mundo. Vários heróis começaram a virar pó. Pessoas comuns também. Clint teve o azar de perder a família inteira nesse período. Ele ficou violento e agressivo. Assumiu a identidade de Ronin. Matou vários criminosos sem pensar duas vezes. A Viúva Negra o encontrou e o alistou para uma nova missão. A Viúva morreu. Eles salvaram o mundo. Todo mundo voltou ao normal. Clint deixou o Ronin para trás.

Acontece que, já nos primeiros episódios de Gavião Arqueiro, descobrimos que o Ronin não deixou ele. Ou ao menos, não os inimigos do Ronin. E quando ele vê uma pessoa no jornal, usando o traje que ele próprio deixara de usar há pouco tempo, ele precisava investigar – mesmo que estivesse em Nova York apenas passando uns dias com seus filhos. Para sua sorte, quem estava debaixo do manto era Kate Bishop.

Hailee Steinfeld mostra desde o primeiro episódio que é uma das melhores adições ao MCU em 2021.

Kate é a co-protagonista da série, vivida pela maravilhosa Hailee Steinfeld – que se provou uma das melhores adições ao MCU em 2021 (compartilhando o título com alguém que falaremos mais adiante…). A atriz consegue direcionar a empolgação juvenil e o humor ácido de Kate para construir uma personagem que, apesar de se inspirar em Clint Barton, tem seu próprio universo pessoal e suas motivações – por mais que toda a trama de sua mãe, Eleanor Bishop, seja bem subaproveitada e desperdice o talento de Vera Farmiga, para dizer o mínimo.

Mais do que uma fangirl – algo que teria acabado com a imagem da Kate Bishop dos quadrinhos -, ela é uma aspirante a heroína, que vê nesse “ramo” a oportunidade perfeita de ajudar as pessoas que precisam e dar uma lição em quem merece. Sabe aquele papo do “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades“? Pois é, às vezes você nem precisa de poder para aprender a ser responsável.

E a questão principal é que os dois, enquanto dupla, se complementam de muitas formas. Clint tem a experiência de um profissional, mas é Kate quem tem a vivacidade de uma aprendiz. Clint é sério quando precisa, mas Kate tem o humor e a leveza para quebrar os momentos mais difíceis. E o melhor de tudo: os dois são Gaviões Arqueiros, sem que isso enfraqueça ou diminua o outro. Na verdade, só complementa.

Eco ainda vai ganhar sua própria série no Disney+!

Marvel sabe (às vezes) que menos é mais

E por mais que fosse incrível ver apenas seis horas da interação de Clint e Kate, a série ainda se desenvolve com mais personagens – alguns inéditos e outros retornos muito bem-vindos ao MCU. Dentro da primeira categoria, temos a Maya Lopez de Alaqua Cox – que em um futuro próximo, ganhará sua série solo. Destemida e ousada, a nova guerreira conta com uma história de origem trágica e uma motivação bem pessoal.

Lopez (ou Eco, embora ainda não atenda pelo seu nome heroico dos quadrinhos) é uma personagem interessante e que reflete a nova “cara” da franquia: mais inclusiva e representativa. Ela é uma mulher surda que usa uma perna prostética. Mas também é muito mais do que apenas isso: a personagem permeia pelos tons de cinza, não só pela ambiguidade de sua personalidade, mas pela forma como aprendeu a ler o mundo ao seu redor.

Talvez, da parte dela, a única coisa que não agrade muito seja a inclusão do Rei do Crime. Embora seja um deleite ver o retorno de Vincent D’Onofrio ao papel, a presença do personagem soa forçada e nada mais é que um easter-egg de luxo – além de escancarar um problema que já está corriqueiro nas séries da Marvel: a necessidade de colocar um personagem gigante dos quadrinhos e/ou o traje heroico completo do(s) herói(s) no último episódio. Pode ser só neura, mas cheira a uma fórmula padrão pré-fabricada e, depois de ver todas as quatro séries live-action fazendo isso, já cansou.

É ELA!

Mas dito isso, é interessante notar como Gavião Arqueiro não se propõe, em momento algum, a ser mais um trailer estendido do que vem aí no Universo Cinematográfico da Marvel – mesmo a série apresentando ideias que evidentemente serão usadas no futuro, como a série solo da Eco a caminho ou uma possível produção dos Jovens Vingadores. Ela fecha em si só e consegue encerrar (quase) todas as suas pontas soltas.

E ainda resta espaço para conectar o projeto ao legado da Viúva Negra, sobretudo com a participação de Yelena Belova – que não só rouba cada segundo em que aparece, como também brilha em mais uma interpretação radiante de Florence Pugh (a outra melhor adição do MCU em 2021). A presença da personagem é tão chamativa que quase nos faz esquecer de como o filme solo de Natasha Romanoff foi bem aquém das expectativas.

Por essas e muitas outras, Gavião Arqueiro consegue ser um tiro certeiro, ao deixar de lado as hiperbólicas lutas pelo destino do universo e focar em uma missão mais simples: Clint Barton está ferrado e precisa chegar em casa até o Natal. Isso adiciona urgência, perigo e mostra como esse sempre foi o herói mais “pé-no-chão” desse universo, um homem comum lutando ao lado de deuses e monstros.

Mais do que isso, é a oportunidade perfeita de apresentar personagens que sejam iguais a ele e que também tenham seus mundos particulares além de todo o caos gigantesco que rola por aqui. De um jeito ou de outro, seja com Clint Barton ou com Kate Bishop, a era dos Gaviões Arqueiros veio para ficar e provar que, às vezes, menos é mais – mesmo em um universo gigantesco e mirabolante como o da Casa das Ideias.

Nota: 4/5

Gavião Arqueiro está disponível no Disney+.

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