Crítica: Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado, Temporada 1

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Crítica: Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado, Temporada 1

Por Gus Fiaux

Neste ano, o Prime Video lançou a primeira temporada de Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado, a sua nova série slasher baseada no livro homônimo de Lois Duncan — que já foi adaptado para os cinemas em uma trilogia de filmes. Com novos personagens, um novo assassino e um mistério que se desenvolve em oito episódios, a série tem dividido a opinião de seu público.

Mais inspirada por séries que abordam o “glamour” adolescente, como Gossip Girl Pretty Little Liars, que pelos vários exemplos de slasher nos cinemas e na TV, a série até tenta criar um senso de perigo, mas falha em todos os aspectos relacionados a um dos subgêneros mais clássicos do horror. Aqui, você pode conferir a nossa crítica de Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado!

Ficha Técnica

Título: Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado (I Know What You Did Last Summer)

 

Criada por: Sara Goodman

 

Ano: 2021 (Prime Video)

 

Número de episódios: 8 (1ª temporada)

 

Sinopse: Numa cidade cheia de segredos, um grupo de adolescentes é perseguido por um assassino misterioso um ano após um acidente fatal na sua noite de formatura.

Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado está disponível no Prime Video.

Uma aula de como (não) fazer um slasher para a televisão

Na era pós-Pânico, vimos uma nova ascensão do slasher na cultura pop. O subgênero já tinha sido muito explorado nos cinemas nos anos 80, mas estava em uma ampla queda quando Wes Craven trouxe sua obra-prima ao mundo. Curiosamente, Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado foi uma “consequência” disso, mas a história é um pouco mais complexa, já que Kevin Williamson (roteirista de Pânico) já tinha escrito o roteiro antes mesmo do Ghostface causar o caos em Woodsboro.

Ainda assim, Verão Passado só chegou aos cinemas em 1998, influenciado pela popularidade do seu “primo chique” de 96. E de lá para cá, muita coisa aconteceu. O filme ganhou uma continuação direta, chamada Eu Ainda Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado, e um terceiro filme terrível e esquecido no fandomEu Sempre Vou Saber o que Vocês Fizeram no Verão Passado – sim, esse é o título. E agora, anos depois, com o terceiro advento dos slasher, temos uma série de TV que resgata a “simplicidade” do nome original.

Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado – a série do Prime Video – é uma nova interpretação da história que, curiosamente, surgiu na literatura através do romance homônimo escrito por Lois Duncan. Porém, todos os signos e ideias principais da franquia continuam aqui: seguimos um grupo de amigos que, em uma noite fatídica, são envolvidos em um acidente cruel e, um ano depois, começam a morrer um a um nas mãos de um assassino oculto. E se você acha que poderia sair algo bom daí… talvez seja melhor passar longe.

A verdade é que, mesmo entre as franquias slasher, Verão Passado nunca foi uma das melhores. Ela era popular, e nisso não há discussão, mas mesmo o primeiro filme (o melhor de todo o pacote) ainda sofria por estar à sombra de um exemplar infinitamente melhor desse subgênero – Pânico, é claro. Mas a história ainda tinha elementos bons o bastante para dar base a uma nova adaptação que ressignificasse alguns dos clichês do slasher e construísse algo original. Mas definitivamente, não é o que acontece aqui.

Série segue a mesma premissa básica do filme de 1998, mas com outros personagens.

Na verdade, o maior erro de Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado é justamente o mais abominável em se tratando de uma produção com suas ambições: a série é chata, alongada ao extremo e não consegue construir personagens carismáticos o bastante para que nos importemos com eles. Isso até seria perdoável em um filme de uma hora e meia, já que o clima de apreensão e mistério pode segurar bem as pontas desses defeitos, mas quando estamos falando de uma série de TV com oito episódios de uma hora, a coisa muda de figura.

O grupo de amigos é liderado pelas irmãs Allison Lennon (ambas vividas por Madison Iseman), gêmeas que são completamente opostas em tudo – menos no visual, já que os produtores sequer tentaram dar traços minimamente distintos a elas. Após uma briga na festa de formatura, Allison “troca” com Lennon e acaba atropelando a irmã na autoestrada, enquanto dirige um carro com os amigos de Lennon. A partir daí, dois segredos são traçados: Allison precisa fingir que é Lennon pelo resto da vida e os envolvidos no acidente precisam esconder o corpo (literalmente).

Porém, a história até tenta dar um peso maior a isso ao trazer junto vários personagens e explorar as dinâmicas da cidade onde a trama se passa – que, diga-se de passagem, fica localizada no Havaí. Assim, constrói-se um senso de que todos os habitantes guardam seus próprios segredos e, de alguma forma, tudo isso está ligado a um culto que operou no lugar há algumas décadas e cujos membros morreram em um ritual coletivo de suicídio. Pode até parecer algo importante para a história, mas fica restrito às vagas conexões entre o culto e a mãe de Allison e Lennon.

E, é claro, pegando a onda do horror teen, é claro que teríamos personagens no começo de suas vidas adultas, todos envolvidos nesse mistério. O grupo de amigos de Lennon/Allison é composto por Margot (Brianne Tju), uma garota viciada em redes sociais que tem vários problemas de saúde mental; Johnny (Sebastian Amoruso), um menino gay que vive um romance com um antigo professor de escola; Riley (Ashley Moore), uma menina que trafica drogas pra sobreviver e, é claro, Dylan (Ezekiel Goodman), o mocinho gentil que tem uma história complicada com as gêmeas.

Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado conta com uma infinidade de personagens vazios e insuportáveis.

Os piores clichês

E é justamente nos personagens que a série começa a perder seu foco e seu ponto. Todos eles são tão rasos quanto uma xícara de chá. Na verdade, eles não vão muito além dos arquétipos clássicos de um filme slasher genérico, e não há qualquer tipo de subversão ou desconstrução dessas figuras. Na verdade, a única coisa que a produção tenta fazer de diferente é imprimir um pouco de diversidade a esses personagens – seja étnica ou de orientação sexual – mas o resultado final é um tiro pela culatra que escancara um dos piores clichês do terror.

Desde sua origem, o slasher sempre foi um subgênero altamente moralista, algo que tem muito a vez com todo o contexto histórico em que os maiores clássicos dessa vertente foram produzidos. Ronald Reagan era presidente dos Estados Unidos, a guerra às drogas estava em seu ápice e havia um forte senso cristão enraizado na cultura e nas leis norte-americanas. Foi uma época de retrocessos nos movimentos sociais e forte disparada da contracultura entre os jovens que não estavam felizes com o sistema.

Então, por definição, as vítimas dos assassinos eram pessoas que mereciam ser castigadas, de alguma forma. Você usa drogas? É morto. Transa antes do casamento? O seu velório terá o caixão fechado. É gay ou parte de qualquer outra minoria? Melhor avisar seus pais para fazerem um seguro de vida. Sempre foi assim, e faz sentido que algumas produções recentes tenham subvertido essa ideia e criado histórias cada vez mais pautadas na desconstrução desses clichês – um ótimo exemplo é Rua do Medo, cujas final girls são um casal sáfico – uma delas negra, inclusive.

Mas Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado perde completamente o fio da meada e decide que vai matar todas as minorias possíveis em seus primeiros episódios, justamente da forma mais cruel e desinibida, com um prazer quase sádico. Entenda: eu não estou dizendo que minorias não podem morrer em um slasher, mas há problemas fortes quando o personagem gay e a personagem negra têm as primeiras “mortes” – que inclusive são as mais violentas e gráficas, tudo isso enquanto o casal branco fica vivo para contar a história até o último episódio.

Revelação de quem é o assassino é um dos pontos “altos”, apesar da série não saber como construir isso.

E isso até seria perdoável se, no fim do dia, Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado entregasse uma trama de qualidade e um slasher decente – o que não é o caso. A maior parte da violência é apenas sugerida (exceto quando é causada contra corpos minoritários) e o “mistério” em volta de quem é o assassino perde a força lá pelas tantas, enquanto somos arrastados em um turbilhão de subtramas sem necessidade e infindáveis flashbacks da noite do acidente original.

O resultado é que os oito episódios acabam se misturando em um bolo amórfico, sem que nenhum deles tenha um traço memorável. Pegue Chucky como exemplo, a série que revitalizou o Brinquedo Assassino para a televisão. A cada novo episódio, somos brindados com cenas únicas e uma narrativa que evolui constantemente. Mesmo que você veja em maratona, é impossível não pensar: “Ah, isso aconteceu no primeiro episódio. Já essa morte aqui foi um grande destaque do terceiro”. Aqui, nada disso acontece.

Para piorar, existem problemas gritantes na parte técnica – que vão desde a fotografia mais sem graça e genérica já feita em uma série de terror para a televisão, mas também a montagem caótica e a falta de um norte para cada um dos personagens representado no figurino e na direção de arte – nesse último caso, é quase como ler um livro onde todos os personagens têm a mesma “voz” e não são diferentes entre si. E como se o castigo não fosse o bastante, ainda há a promessa (ou seria a ameaça?) de uma segunda temporada.

A série está tão preocupada em atingir o público de Gossip Girl Pretty Little Liars e esqueceu que, por mais questionáveis que sejam essas produções, elas ainda têm personagens marcantes o bastante e tramas minimamente envolventes. Resta saber, se em um segundo ano, teremos força o suficiente para acompanhar uma narrativa que não está nem um pouco preocupada em fazer o feijão com arroz básico do slasher, sobrevivendo apenas dos mesmos clichês requentados e de um mistério que nos deixou tão sonolentos quanto as vítimas de Freddy Krueger.

1.5/5

Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado está disponível no Prime Video.

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