Crítica: Um Clássico Filme de Terror mira na metalinguagem e acerta na galhofa
Crítica: Um Clássico Filme de Terror mira na metalinguagem e acerta na galhofa
Novo filme da Netflix sufoca ótima atmosfera com reviravoltas questionáveis!
Se há uma coisa que podemos elogiar sem nenhum receio na Netflix é a iniciativa de produzir um catálogo cada vez mais diversificado, com produções de vários países e não apenas originais dos Estados Unidos. No campo do terror, isso tem gerado algumas repercussões interessantes com as várias produções de diversas nacionalidades. Agora, nós temos Um Clássico Filme de Terror, longa italiano que vem com grandes promessas.
Após um trailer bem cativante, o filme tinha tudo para ser um sucesso estrondoso e arrebatar com seus visuais e sua premissa macabra… contudo, não é bem isso que encontramos aqui. Nós já conferimos o filme e aqui você pode ler a nossa crítica!
Ficha técnica
Título: Um Clássico Filme de Terror (A Classic Horror Story)
Direção: Roberto De Feo, Paolo Strippoli
Roteiro: Lucio Besana, Roberto De Feo, Paolo Strippoli
Ano: 2021
Data de lançamento: 14 de julho (Netflix)
País de Origem: Itália
Duração: 95 minutos
Sinopse: Nesse filme de suspense brutal, estranhos viajando pelo sul da Itália ficam presos na floresta e precisam lutar desesperadamente para saírem de lá vivos.
Um Clássico Filme de Terror causa mais raiva que satisfação
O horror é, por sua definição, um gênero construído em cima da atmosfera e do clima. Mais do que assustar, um bom filme de terror precisa te passar um senso de aflição, repulsa e medo que deve te sobrecarregar durante cada frame, provocando um estranhamento e uma sensação de insegurança. E embora cinéfilos tenham uma grande devoção ao roteiro como se fosse a grande divindade cinematográfica, há coisas que são igualmente importantes – entre elas, a estética.
Bons filmes de terror são aqueles que conseguem impregnar sua temática em cada cena, seja através da narrativa roteirizada ou através dos códigos audiovisuais – imagens, enquadramentos, música, etc. Toda essa volta para falar o seguinte: Um Clássico Filme de Terror, o mais novo lançamento da Netflix (e uma produção feita na Itália) é o tipo de filme que acerta muito em sua estética e seu estilo, mas acaba falhando grotescamente quando tenta dar à sua trama uma reviravolta que os criadores acreditam ser bem mais inteligente do que de fato é.
O longa, lançado nesta última semana (14) na plataforma de streaming, é dirigido por Roberto De Feo e Paolo Strippoli, dois cineastas com pouco currículo mas muito talento para criar imagens chocantes e intrigantes, que despertam imediatamente um senso de perigo e pavor. Por outro lado, eles também são os co-responsáveis pela parte mais fraca do filme, o roteiro escrito em conjunto com Lucio Besana, que tenta brincar um pouco com os clichês e a metalinguagem mas acaba entregando uma série de decisões no mínimo questionáveis.
A trama não chega a ser nada fora desse mundo: cinco pessoas estranhas entre si fazem uma viagem pelo sul da Itália. Enquanto dividem o mesmo veículo, eles criam alguns laços – mas tudo é revirado do avesso quando eles se veem perdidos em uma floresta densa e confusa. E para piorar, eles começam a ser perseguidos de todos os lados por uma força sobrenatural terrível, algo que desencadeará todo o enredo típico desse filme de terror. E por mais que essa seja uma premissa genérica até demais, o filme consegue se manter bem em sua primeira metade.
Embora não tenha um pingo de “originalidade”, Um Clássico Filme de Terror consegue ser um feijão com arroz bem feito, acompanhado de um bom bife acebolado e uma salada refrescante. E analisando o contexto de produção do cinema italiano, berço de subgêneros tão marcantes como o giallo, toda a aposta estética e atmosférica acerta em cheio. A primeira hora passa voando, devido ao ritmo bem construído e boas atuações de seu elenco principal – vale mencionar Matilda Anna Ingrid Lutz e Peppino Mazzotta, ambos com personagens simples, mas motivações muito centradas.
Aqui, as influências do folk horror são explícitas – especialmente Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, o mais recente filme de Ari Aster. Algumas cenas são explicitamente inspiradas no longa de 2019, caminhando no limite entre a homenagem e a cópia descarada. Mas fãs de horror vão reconhecer vários elementos tirados de outras produções como O Homem de Palha, Colheita Maldita e até mesmo o recente O Ritual, de 2017. Porém, assim que o longa chega à marca de uma hora de duração, temos a inclusão que faz com que o trem descarrilhe em direção ao inferno.
É difícil comentar o filme sem falar de sua principal reviravolta e tentarei fazê-lo ao máximo. O que acontece é que, nesse plot twist, toda a lenta construção e o ritmo bem compassado são jogado para o alto, para tecer uma espécie de comentário sobre a própria indústria cinematográfica italiana. E em vez de se guiar pela mitologia pré-estabelecida até esse ponto, o longa muda bruscamente de rumo. Isso tinha grandes chances de dar certo, não fosse o fato de que toda a revelação é meio boba. E daí em diante, os diálogos são um festival de vergonha alheia e exposição.
Esse enfraquecimento é imediatamente refletido na atmosfera. Se até aqui havia um trabalho muito consciente ao explorar esse universo de uma forma mais brusca e com uma grande urgência, a partir da reviravolta toda a tensão se dissipa e o horror perde o impacto. E para piorar: é uma reviravolta óbvia. A partir dos quinze minutos de filme, você já consegue entender alguns detalhes sobre a trama pescando-os nos diálogos. De Feo e Strippoli parecem estar o tempo todo por trás das cortinas ansiosos para ver a cara de choque do público, mas no máximo vão conseguir um bocejo e um levantar de sobrancelhas.
As referências também não ajudam. O longa é tão abarrotado de comentários sobre outros filmes de terror que soa quase artificial. Nem mesmo eu, que sou um gigantesco entusiasta do gênero, faço tantas referências a torto e a direito quanto alguns personagens aqui. E é curioso pensar que, mesmo no catálogo da Netflix, uma franquia de horror adolescente como Rua do Medo está conseguindo se sair melhor na hora de criar uma conexão com outras obras, sem apelar para diálogos óbvios.
No final, o que resta é um sentimento agridoce de decepção, porque o filme definitivamente tinha muito potencial. A direção de De Feo e Strippoli é ágil, o gore é muito bem arquitetado e até mesmo a trilha sonora faz um trabalho bem eficaz na hora de criar tensão. Voltando ao início do texto, é a atmosfera perfeita para um filme de terror, aliado a uma ambientação que só impulsiona esse viés audiovisual. Mas o roteiro faz questão de cuspir para o alto, manchando tudo que havia sido feito até a famigerada reviravolta.
E se, por um lado, eu reconheço esse como sendo o maior problema do filme, também não consigo deixar de elogiar tudo o que os diretores haviam construído até ali. Mais uma vez, não é uma obra original e está bem longe de ser um clássico inovador, mas pelo menos há uma forte veia estética que torna tudo muito interessante e bonito, mesmo em meio ao caos e à tragédia. É quase como se O Massacre da Serra Elétrica fosse dirigido por Dario Argento.
Um Filme Clássico de Terror é o tipo de filme que causa mais raiva que satisfação. Tivesse um roteiro um pouco mais centralizado, ele faria sua própria reviravolta ganhar outro significado. Porém, falta polimento nesse twist, de modo que ele só parece resquício de um esboço não-finalizado da trama. No fim das contas, poderia ter sido um ótimo filme, ainda que não saísse de sua zona de conforto. Infelizmente, ele opta por outra direção, dando um passo bem maior que a perna – e por mais que o resultado esteja longe de ser bom, não consigo deixar de admirar o talento e o potencial dos artistas que estão por trás dele.
Abaixo, veja 7 filmes de terror para ficar de olho na Netflix em 2021: