Classificação Indicativa: O que é, porque existe e como funciona no Brasil

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Classificação Indicativa: O que é, porque existe e como funciona no Brasil

Por Gus Fiaux

No último domingo (17), a Record TV exibiu um quadro no Domingo Espetacular comentando sobre o “perigo” que crianças e adolescentes correm ao serem expostos a animes, com ênfase em Death Note. Cheia de alarmismo e com um viés conservador, a matéria gerou polêmica na internet e inclusive foi comentada aqui na Legião dos Heróis. No entanto, ela também trouxe à tona a discussão a respeito da classificação indicativa.

Enquanto um senso de pânico é criado por esse tipo de reportagem, há quem tenha dúvidas muito pertinentes sobre a classificação indicativa no Brasil: Quem a faz? A quais produtos ela se aplica? Qual a diferença entre as várias faixas etárias? Como fica o papel dos pais e responsáveis nessa questão? Visando esclarecer essas dúvidas e elaborar um pouco mais sobre o assunto, aqui temos algumas respostas.

Round 6, série da Netflix, tem classificação indicativa de 16 anos.

O que é a classificação indicativa?

De acordo com o site do Governo Federal Brasileiro, o gov.br, a classificação indicativa (abreviada como ClassInd) é “uma informação prestada às famílias sobre a faixa etária para a qual obras audiovisuais não se recomendam. São classificados produtos para TV, mercado de cinema e vídeo, jogos eletrônicos, aplicativos e jogos de interpretação (RPG).”

A classificação indicativa feita no Brasil contém seis “níveis” que vão desde o Livre para todos os públicos até o Não recomendado para menores de 18 anos. Esses níveis possuem suas próprias características e diferenças entre si, e servem como um modo de conscientizar e alertar pais e responsáveis sobre os produtos consumidos por seus filhos e afiliados.

Abaixo, você pode ver como funciona a classificação e como eventos ao vivo e cinemas lidam com as faixas etárias:

Diferentes classificações indicativas para eventos e filmes (Fonte: O Globo)

Embora muito se use do termo “censura” para falar da classificação indicativa, trata-se de uma expressão incorreta, uma vez que a censura carrega a ideia de “limitar e proibir” que um público abaixo da faixa etária consuma esse tipo de produto. Na realidade, a classificação apenas indica (ou seja, “indicativa”) que tais produtos sejam consumidos por pessoas com idades adequadas para tal.

A exceção vai para conteúdos voltados para maiores de 18 anos. Em julho de 2006, foi sancionada a Nova Lei da Classificação Indicativa pelo então presidente Lula. Entre os artigos previstos, o 19º indica que nenhum menor de 18 anos pode comparecer a um evento destinado para maiores de 18, nem mesmo se acompanhado dos pais. Porém, em serviços como a Netflix e outras plataformas de streaming, é mais fácil burlar esse controle.

É por isso que vários serviços – o que inclui até mesmo o YouTube – possuem um sistema de controle parental que fica a cargo dos pais. Eles podem decidir o que pode ou não ser visto pelos seus filhos. A maior parte desses sistemas bloqueia automaticamente obras para maiores de 18, e o acesso só pode ser feito com o consentimento de um pai ou responsável.

O Esquadrão Suicida, de James Gunn, recebeu a classificação indicativa de 16 anos.

Quem estabelece a classificação indicativa – e como isso é feito?

Mas afinal de contas, quem faz a classificação indicativa?

No Brasil, o responsável pelo sistema de classificações indicativas é a Cocind – abreviação de Coordenação de Classificação Indicativa, um órgão subalterno do Departamento de Promoção de Políticas da Justiça, que por sua vez é uma secretaria contida no Ministério da Justiça. São eles que estabelecem se tal filme, jogo ou série deve ter uma classificação livre ou não.

A metodologia da classificação é feita de duas maneiras: análise prévia (quando um produto “passa pela Cocind” antes de chegar ao público geral e lhe é atribuído uma classificação) ou então através da autoclassificação (que é quando os responsáveis pela obra ou detentores dos direitos autorais sugerem ao órgão uma classificação indicativa). Nesse último caso, o produto passa pela análise da coordenação, e a classificação sugerida é aprovada ou negada.

Os critérios adotados giram em torno de três temas “tabus” – sexo, drogas violência, seja através da menção a esses itens ou até mesmo cenas explícitas. A partir daí, considera-se a quantidade, a relevância e o contexto desses elementos em uma produção e, após a análise, é definida uma classificação que deve ser seguida pelas redes de cinema, serviços de streaming, fabricantes de blu-ray e DVD e outras distribuidoras.

Se você tem interesse no assunto, recomendamos a leitura do Guia Prático de classificação indicativa, disponível no site do Governo Federal.

É importante citar que cada país possui seu órgão regulador e, portanto, as classificações indicativas variam de um lugar para o outro e não são necessariamente equivalentes. Nos Estados Unidos, a métrica é realizada pela MPAA (Motion Picture Association of America), enquanto no Reino Unido, o responsável é o BBFC (British Board of Film Classification). Em todos os casos, os órgãos possuem jurisdição dentro de seus respectivos países e se adequam às leis locais, além de serem entidades ligadas ao governo.

E no caso dos brinquedos e produtos licenciados?

A reportagem da Record levanta um questionamento a respeito de produtos licenciados e brinquedos aos quais não são atribuídos classificação indicativa. Isso acontece porque, na jurisdição da lei de 2006, a classificação realizada pelo Cocind só se aplica a “produtos para TV, mercado de cinema e vídeo, jogos eletrônicos, aplicativos e jogos de interpretação (RPG)“.

Brinquedos, produtos licenciados e outros itens físicos que podem ser adquiridos em lojas físicas e virtuais passam por outro sistema de testagem: o Inmetro – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. São eles que precisam aprovar e regular o uso de determinados produtos, sejam eles oriundos de fabricação nacional ou então importados.

Reportagem da Record cria pânico com relação a Death Note.

O papel dos pais e o alarmismo

A matéria que foi ao ar no Domingo Espetacular se tornou um dos assuntos mais comentados da última semana, e chegou a aparecer no Trending Topics do Twitter. Como pontuado pelo Arthur Eloi em seu texto na LH, o viés da reportagem visa causar pânico moral e se assemelha muito ao Pânico Satânico surgido nos anos 80, nos Estados Unidos: “A tendência de reportagens sensacionalistas, embasadas em ciência de procedência duvidosa e especialistas com motivações altamente questionáveis, é uma infeliz tradição que surgiu nos anos 1980, nos Estados Unidos, no que foi chamado de Pânico Satânico.”

O texto-base da reportagem tenta “alertar” aos pais sobre o conteúdo de animes e como o Brasil carece de leis mais rigorosas no que diz respeito à classificação. Acontece que essa “brecha” é proposital e serve para dar às famílias a autonomia na hora de escolher qual conteúdo deve ou não ser consumido, sem retirar dos pais o direito e o dever de conversar com seus filhos.

O próprio site do Governo Federal reitera essa postura, ao dizer:

“A ClassInd não substitui o cuidado dos pais – é fundamentalmente uma ferramenta que pode ser usada por eles. Por isso recomendamos que os pais e responsáveis assistam e conversem com os filhos sobre os conteúdos e temas abordados na mídia.”

Ou seja, não cabe ao Estado punir conteúdos audiovisuais e censurá-los, mas sim aos pais e responsáveis observarem o que é consumido pelos filhos e afiliados. A classificação serve apenas como uma indicação para que os conteúdos apresentados estejam explicitamente expostos para que ninguém seja “pego de surpresa” com uma cena de sexo ou de uso de drogas, ou qualquer outro conteúdo inadequado para crianças e adolescentes.

E embora esse controle seja “mais difícil” com a internet, ainda cabe aos pais monitorar e dialogar com seus filhos.

Deadpool e sua sequência foram criticados pela violência e pelo apelo para crianças e adolescentes.

Mas e os produtos que “apelam” para crianças e adolescentes?

Contudo, existem várias polêmicas circulando na internet no que diz respeito a produções “adultas” que possuem um “apelo para crianças e adolescentes”. O caso mais popular, no momento, é a série sul-coreana Round 6, que acabou de se tornar um dos maiores fenômenos da história da Netflix. Na trama do dorama, um grupo de pessoas participa de vários jogos infantis por uma quantia absurda de dinheiro. Porém, eles morrem se fracassarem.

Mesmo tendo classificação indicativa para 16 anos, a série está sendo alvo de críticas por sua premissa, já que a presença de jogos infantis pode atrair a atenção de crianças e adolescentes. Algo similar tem acontecido nos últimos anos com filmes e séries de super-heróis voltados para um público adulto, já que subentende-se que os super-heróis pertencem ao “imaginário infantil” – e esse caso respingou em produções como DeadpoolO Esquadrão Suicida e a animação Harley Quinn, disponível no HBO Max.

No entanto, é importante lembrar que a arte é subjetiva e parte das ideias de seus criadores e idealizadores com base no mundo que os cerca. Não é por que existem elementos infantis ou geralmente associados com um público infantil presentes em uma obra que ela automaticamente se torna acessível para ser consumida por todos os públicos sem restrições.

E mais uma vez, se aplica o controle dos pais e um canal aberto de diálogo com crianças e adolescentes, para que elas possam entender os motivos pelos quais tais obras não são adequadas para suas idades – fazendo da classificação indicativa uma “ponte” entre a obra e os responsáveis. O que não dá para aturar em 2021 é a criação de pânico moral e viés alarmista cuja única ênfase é criar um teor de conspiração, como se filmes, séries e jogos fossem responsáveis e culpados pelo aumento de violência e de criminalidade entre crianças e adolescentes.

Abaixo, confira como são as diferentes etapas de classificação indicativa no Brasil: