Você já leu um escritor brasileiro hoje?
Você já leu um escritor brasileiro hoje?
Mesmo com trabalhos excelentes, brasileiros não recebem o destaque e reconhecimento que merecem.
Quando falamos sobre livros de ficção e fantasia, nosso primeiro pensamento acaba sendo em nomes como Rick Riordan, J.K. Rowling, Stephen King… as grandes estrelas da literatura fantástica moderna. Mas por que não citamos algum escritor brasileiro logo de cara?
Mesmo com o Brasil tendo inúmeros autores maravilhosos, muitos não recebem o reconhecimento que merecem, e os motivos para isso são os mais variáveis possíveis, sendo crise no mercado, preconceito literário e falta de investimento nos autores alguns dos exemplos citados. Apesar disso tudo, é possível viver de fantasia nesse país? Há chances de conquistarmos mercados internacional?
Para entender melhor essa situação, conversamos com os autores Raphael Draccon, Fábio M. Barreto, Felipe Castilho e Isa Prospero e eles parecem concordar que, apesar de todo o talento, escritores nacionais precisam ser criativos para conquistar uma boa fonte de renda, uma vez que não são poucos os empecilhos no caminho.
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Escrever em tempos de crise
Fábio M. Barreto, autor dos livros Filhos do Fim do Mundo e Snowglobe, conta que começou a se interessar por ficção e fantasia com Star Wars, além da clássica coleção Vagalume. O trabalho de André Vianco também serviu como estímulo para que o autor se dedicasse nessa carreira, explicando que sua experiência como jornalista ajudou muito nessa empreitada. Infelizmente, sua relação com as editoras do país não foi das melhores. “No Brasil você publica um livro e o próximo é como se você não tivesse nada”, diz. “Eles não querem uma franquia, o que querem é vender. Publicar o primeiro livro não é sinal de que deu certo”.
“Nós não temos um décimo do espaço dos gringos”, declara Barreto. “Se você não é o novo Harry Potter, você não é nada”. Ele explica que trabalhar com as editoras é algo difícil, uma vez que falta apoio e investimento no trabalho dos escritores nacionais. “Eles procuram por um autor que se venda sozinho, como um youtuber ou influenciador digital. Trabalham pouco com autores nacionais.”
O escritor destaca que isso é bem diferente nos Estados Unidos, se aqui no Brasil o livro recebe apenas uma rápida edição gramatical, lá o trabalho das editoras é mais próximo do escritor, garantindo que o livro seja melhorado em todas as etapas, o que aumenta suas chances de sucesso em todas as frontes, incluindo no mercado internacional. “As editoras daqui não veem o autor nacional como um sucesso em potencial”, declara Barreto, para logo em seguida explicar que esse é o motivo para um brasileiro não fazer o mesmo sucesso que Rick Riordan e outros grandes nomes.
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Autor da aclamada trilogia Dragões de Éter, o escritor Raphael Draccon afirma que cresceu imerso nesse mundo de ficção e fantasia. Além dos filmes e livros do gênero, costumava ouvir as divertidas histórias de seu avô, um projecionista de cinema, sobre os filmes da antiga Hollywood. “Basicamente a fantasia fez parte do meu crescimento, e marcou cada etapa da minha infância e adolescência”, explica o autor. Aos 21 anos escreveu Caçadores de Bruxas, o primeiro livro da sua franquia, que levou quatro anos até ser aceito e publicado por uma editora.
Como ele mesmo diz, nunca é fácil publicar um livro. Especialmente com as constantes mudanças no mercado – o que afeta drasticamente o sucesso de autores nacionais, que agora são obrigados a serem criativos na hora de conquistar uma fonte de renda. “2012 foi o auge da literatura fantástica nacional, quando toda a mídia brasileira se rendeu aos autores e ao gênero”, conta Draccon, explicando que foi neste momento que os leitores passaram a se organizar em blogs ou no youtube para indicar e fazer críticas de livros. Segundo ele, essa foi uma grande mudança, uma vez que gêneros antes rejeitados pela imprensa, agora conseguiram destaque e em pouco tempo autores nacionais de ficção e fantasia conquistaram uma nova legião de fãs.
“Hoje em dia, contudo, grandes redes de livraria entraram em crise ou até mesmo fecharam suas portas.” Para ele, a crise das livrarias impacta diretamente na vida dos escritores, que para driblar essa situação, precisam seguir novos rumos como a venda de cursos de escrita, palestras ou até mesmo a publicação por conta própria, utilizando financiamentos coletivos ou ebooks, por exemplo.
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Felipe Castilho, autor de O Serpentário, Filhos da Degradação e da série O Legado Folclórico, se interessou pela ficção desde pequeno, quando descobriu as histórias em quadrinhos e fábulas. “Acho que todos nós precisamos de histórias inventadas desde pequenos”, justifica. Ele conta que o desejo de ser escritor surgiu desde muito cedo, com apenas 8 anos ele já fazia seus próprios livros ilustrados, alguns anos mais tarde brincou de criar sua editora de HQs improvisadas, a Pop Comics, junto do seu irmão mais novo. Na adolescência conheceu Harry Potter e O Senhor dos Anéis, decidindo mergulhar fundo nessa paixão. “Aos 16 escrevi um livro que era imenso e horrível, e foi depois disso que procurei entender melhor o ofício, ir atrás de cursos e oficinas”, conta.
Mesmo acreditando ser possível viver apenas da escrita, Castilho concorda que é preciso se reinventar constantemente. “O mercado do livro muda muito da noite para o dia, atravessa muitas crises, e o escritor precisa se reinventar se quiser continuar relevante em meio ao turbilhão de coisas”, afirma. “Hoje em dia tem muita gente que se destaca justamente por não se acomodar num suposto ‘glamour’ da vida de escritor.” É o caso do próprio Castilho, que mesmo com vários livros já publicados, não trabalha apenas em seus projetos, mas sim fazendo textos por encomenda, roteiros para HQs e jogos, palestras em escolas e recorre ao financiamento coletivo.
A autora de A feiticeira de São Judas Tadeu dos Milagres, Isa Prospero, também se interessou pelo gênero na infância e foi inspirada por Harry Potter e O Senhor dos Anéis que começou a dar os primeiros passos para a vida de escritora. “Escrevo desde cedo também, comecei com fanfics, partindo para textos originais na adolescência”, revela.
Para Prospero, o futuro do mercado editorial será bem positivo, e cada vez mais os escritores nacionais de ficção e fantasia estão conquistando espaço. “As publicações vêm aumentando nos últimos anos. Temos editoras focadas nesses gêneros, como Draco, Avec, Jambô, Plutão e Dame Blanche, que publicam autores nacionais, e até grandes editoras como a Intrínseca apostando em fantasia nacional”, explica. Além disso, para a escritora existem inúmeros caminhos além da publicação tradicional – ou seja através de uma editora -, a autopublicação está cada vez mais popular e simplificada graças a ferramentas como a Kindle Direct Publishing. Mesmo assim, ela concorda que “aqueles que vivem apenas de ficção são uma exceção. Em geral os autores nacionais exercem outras atividades.”
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O preconceito ainda existe
Outro fator que afeta o sucesso e reconhecimento dos escritores nacionais é o preconceito. Ainda nos dias de hoje, o gênero de ficção e fantasia costuma ser visto como subliteratura ou algo destinado apenas a crianças, além dos autores brasileiros sofrerem uma rejeição ainda maior em detrimento de autores internacionais.
“Quando eu comecei no mercado em 2007, havia um preconceito enorme com literatura fantástica nacional por parte do próprio público”, conta Raphael Draccon. O autor explica que a primeira edição de Dragões de Éter foi publicada sem nenhuma menção a sua nacionalidade, nem ao menos contando com uma foto dele. “Ao descobrirem apenas no final que o autor era brasileiro, os leitores se orgulhavam, mas, se soubessem disso no início, havia uma chance de desistirem em troca de um autor fantástico estrangeiro.”
Felipe Castilho afirma que, mesmo esse preconceito existindo em muita gente, ele desistiu de tentar lidar com essas pessoas e prefere as ignorar. Ele ainda aponta que vários dos livros que são tratados como clássicos atualmente foram visto de forma muito negativa em sua época, só conquistando o sucesso anos após sua publicação. “Acho bem fraco o argumento de que uma coisa tem que ser realista e ‘pé no chão’ para ser levada a sério. Machado de Assis é sempre citado em discussões assim, e ele mesmo já escreveu ficção científica e fantasia. Guimarães Rosa é um tesouro do realismo mágico.” O autor continua: “Aliás, isso me faz lembrar outra coisa: quem usa ‘literatura infantil’ para invalidar ou diminuir o trabalho de alguém não sabe nada sobre como é difícil escrever com qualidade para crianças.”
Para Isa Prospero, o preconceito atinge especialmente obras infantojuvenis que acabam sendo vistas como inferiores, mas ela acredita que a tendência é que isso diminua. “Elas vêm se tornando cada vez mais populares para o público adulto, em grande parte devido a produtos audiovisuais como séries de fantasia e ficção”, diz. “Além disso, vários pesquisadores vêm estudando esses gêneros na academia, o que contribui para consolidar o valor dessas produções.”
Fábio M. Barreto concorda que as coisas estão mudando, ainda que lentamente. “O preconceito existe e começa na academia, afinal nunca estudamos ficção ou livros atuais. Isso está mudando lentamente agora pois o perfil do leitor está mudando bastante.” Para o autor, parte do que está acontecendo é a saída da ficção do seu nicho: “Coisas nerds estão em alta agora. Hoje em dia é aceitável gostar de ficção e ser nerd, está ficando mais popular.”
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Futuro promissor
Se engana quem acredita que esse preconceito está enraizado apenas nos leitores brasileiros – como uma espécie de síndrome de vira-lata. O mercado internacional ainda tem resistido a abrir suas portas para autores nacionais. “É comum se escutar agente e editores dizendo que ‘é preciso ver se o público americano seria capaz de se identificar com essa história’, mesmo que você esteja falando de mundos fantásticos envolvendo dragões, elfos, fadas e cavaleiros”, revela Draccon.
Felizmente, mudanças têm acontecido. Castilho argumenta que a possibilidade de vermos brasileiros conquistando públicos internacionais com seus livros tem crescido, especialmente agora que grandes editoras estão buscando por narrativas que fujam do padrão eurocêntrico. “Recentemente tivemos Vitor Martins [Quinze Dias] e Lucas Rocha [Você Tem a Vida Inteira] publicados na gigante Scholastic, dois brasileiros na mesma editora do Harry Potter,” diz. “É um sinal animador de que vale a pena contar histórias brasileiras, e não só reciclar conceitos que podem até ser bacanas, mas são as experiências de culturas que sempre dominaram o mainstream.”
Além disso, Prospero lembra que existem outros caminhos além dos livros tradicionais. A escrita de ficção e fantasia nacional tem conquistado espaço em revistas importantes do gênero. “Ano passado, a Strange Horizons, uma revista profissional e muito conceituada de literatura especulativa, lançou uma edição só com autores brasileiros”, conta. “A própria escolha da revista de lançar uma edição dessas aponta para um interesse na nossa literatura especulativa.”
Mas é claro que, para que a ficção e fantasia nacional continue existindo – conquistando outros países e ganhando força e melhores investimentos por aqui – ela precisa ser lida e valorizada. Você já leu um autor brasileiro hoje? Não é tarde para dar uma chance a eles e descobrir universos fantásticos criados por pessoas bem mais próximas de nós do que J.K. Rowling, Rick Riordan ou algum outro escritor internacional.
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