[CRÍTICA] O Escândalo é um recado pertinente e cheio de performances poderosas
[CRÍTICA] O Escândalo é um recado pertinente e cheio de performances poderosas
O filme vem para botar o dedo na ferida!
Chegou aos cinemas nesta semana O Escândalo. Indicado a três Oscars, o filme é estrelado pelas atrizes Charlize Theron, Nicole Kidman e Margot Robbie, e vem para botar o dedo na ferida ao falar sobre um tema bastante relevante e atual, cobrindo um caso recente que causou comoção na indústria televisiva dos Estados Unidos.
Confira o que nós achamos do filme lendo nossa crítica:
Ficha Técnica
Título original: Bombshell
Direção: Jay Roach
Roteiro: Charles Randolph
Ano: 2019
Data de lançamento: 16 de janeiro de 2020 (Brasil)
Duração: 1h49m
Em tempos de #MeToo, é impossível não relacionar o caso do filme O Escândalo com o estardalhaço que dominou Los Angeles em 2017, quando vieram à tona os casos de assédio cometidos pelo produtor de cinema Harvey Weinstein. No entanto, enquanto esse caso chegou com os mínimos detalhes aos nossos ouvidos, os eventos do filme de Jay Roach não ultrapassaram a barreira da mídia americana – o que torna a experiência de assistir ao filme ainda mais chocante e repugnante.
O Escândalo gira em torno de um trio de mulheres distintas, mas que compartilham para além do visual padrão das figuras femininas do canal Fox News, a infelicidade de terem sofrido com os assédios do magnata da mídia Roger Ailes. Escrito pelo ganhador do Oscar, Charles Randolph, o filme se concentra em comentar o sistema cínico e desprezível ao qual estas mulheres estão submetidas em seus ambientes de trabalhos.
As personagens, vividas por Charlize Theron, Nicole Kidman e Margot Robbie, no entanto, não são exatamente exemplos do que muitas pessoas chamariam de feministas. E apesar dessas questões ideológicas que poderiam ir contra o filme, é um mérito a maneira como a produção cria empatia entre elas e o público. Afinal, estamos falando de mulheres que lutaram contra o pedantismo sexual de um homem que era “dono” de suas carreiras. Independente de qualquer coisa, é admirável.
Na trama, Gretchen Carlson (Kidman) processa Roger Ailes (John Lithgow) depois que é demitida da Fox News, acusando-o de ter tentando assedia-la sexualmente. O caso é rapidamente desacreditado pela imprensa e funcionários da empresa, que passam a atacar Carlson de todas as maneiras possíveis. Paralelo a isso, assistimos a realidade de uma jovem e ambiciosa funcionária, Kayla (Robbie), que é a mais nova vítima dos abusos do diretor da emissora, protagonizando alguns dos momentos mais inquietantes do filme – não é atoa que Margot Robbie conquistou uma vaga como Coadjuvante no Oscar.
Somado a este conjunto de mulheres está Megyn Kelly (Theron), um das figuras femininas de maior nome do canal, que enfrenta a hostilidade de alguns eleitores de Donald Trump e também de funcionários da empresa que acreditam que ela precisa se manifestar a favor do chefe. Mas há um motivo pelo qual Kelly não se coloca a favor nem contra: ela havia guardado com ela por anos a verdade de que também fora abusada por Ailes.
Charlize Theron interpreta Kelly com uma verdadeira armadura de ferro. Se o trabalho da equipe de maquiagem transforma a atriz numa clone de Megyn Kelly, Theron transforma a si própria. Seja com uma voz dura e um olhar nada vacilante, a estrela prova ser mesmo uma camaleoa, tornando a protagonista uma pessoa a quem o espectador se permite confiar, apesar dos pesares.
Nicole Kidman nunca decepciona. Sempre certeira no tom que ela imprime a seus personagens, aqui, ela interpreta uma mulher desacreditada por todos, mas que em momento algum hesita diante da dificuldades que lhes são impostas. Ainda assim, do trio principal, ela é quem acaba ficando mais apagada.
O que Margot Robbie faz com sua Kayla – personagem fictícia extraída de uma extensa pesquisa acerca das várias acusadoras de Ailes – impressiona. De perfil ingênuo, Kayla parece viver em um “mundo perfeito”, onde é praticamente inconcebível existir uma eleitora de Hilary Clinton na gigantesca sede da Fox News, da mesma maneira que a ideia de um Papai Noel negro não entra na sua cabeça. Mas é o contraste entre essa mulher “de bem com a vida” e confiante junto da mesma mulher acuada e humilhada que faz da performance de Margot Robbie um destaque.
Kayla acaba funcionando, para o espectador, como a prova concreta do que está sendo discutido e combatido pela personagem de Kidman. Ela é o elemento emocional, que expõe de forma dolorosa os bastidores dos jogos nojentos de um homem poderoso.
Mas para além das três personagens femininas principais, há também várias outras mulheres em cena que, ainda que não sejam vítimas dos abusos de Ailes, mostram-se afetadas pelo sistema machista e sufocante da Fox News. É o caso da interessantíssima personagem de Kate McKinnon, que esconde um segredo de seus colegas de trabalho ao mesmo tempo que não consegue se ver livre daquele ambiente. Até mesmo as mulheres da vida do desprezível Ailes acabam demonstrando, na medida do possível, algum sinal de reprovação pelas atitudes do homem – como por exemplo, a advogada vivida por Allison Janney.
É só na direção de Jay Roach que por vezes O Escândalo vacila. Sua linguagem rápida e cheia de quebras da quarta parede torna o filme ligeiramente divertido, com o didatismo funcionando muito bem na hora em que Kelly explica ao espectador o sistema “de castas” do prédio da Fox News. No entanto, essa estrutura parece ser deixada de lado à medida em que as coisas começam a ficar mais sérias – o que é até benéfico para a história e para a gravidade do assunto, mas que torna sua narrativa instável.
De qualquer forma, O Escândalo é definitivamente um filme eficiente em sua mensagem e se mostra uma peça vital para a luta das mulheres dentro dessa estrutura masculina e predatória. Mesmo que o roteirista e diretor tenham consciência de que essa história não acaba bem de verdade – o filme não nos deixa esquecer que o sistema ainda é dominado pelos interesses de homens brancos poderosos -, é impossível não ser apoderado por uma ligeira satisfação ao ver um homem como Ailes caindo, e mulheres como Kayla priorizando sua liberdade. Parece que por ora, é o melhor que nós temos.
Veja mais críticas de filmes:
[CRÍTICA] Adoráveis Mulheres é um drama familiar e delicado
[CRÍTICA] 1917 é muito mais do que um simples filme de guerra
[CRÍTICA] O Irlandês – Scorsese reflete sobre envelhecimento e culpa em filme um tanto longo demais
Fique com:
O Escândalo está em cartaz nos cinemas!