[CRÍTICA] Maria e João: O Conto das Bruxas é sombrio e conceitual

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[CRÍTICA] Maria e João: O Conto das Bruxas é sombrio e conceitual

Por Gus Fiaux

Entre animações da Disney e versões modernas e “revisionistas”, os contos de fadas continuam presentes em nosso imaginário coletivo com toda a força. Muitas das nossas ideias partem dessas fábulas, e quase sempre temos a oportunidade de assistir a um filme que retrata essas lendas ancestrais. Agora, um conto de fadas muito popular – mas que ainda não teve uma grande chance de brilhar nos cinemas, João e Maria, finalmente chega às telas.

Em Maria e João: O Conto das Buxas, acompanhamos uma versão sombria e conceitual da clássica história dos dois irmãos que são abandonados para viver na floresta e acabam encontrando uma bruxa com sua casa farta de doces e delícias… apenas para se descobrirem no lar do mal mais tenebroso que existe. Nós já conferimos o filme e aqui você pode ler a nossa crítica!

Créditos: Imagem Filmes

Ficha Técnica

Título: Maria e João: O Conto das Bruxas (Gretel & Hansel)

 

Direção: Osgood Perkins

 

Roteiro: Rob Hayes

 

Ano: 2020

 

Data de lançamento: 20 de fevereiro (Brasil)

 

Duração: 87 minutos

 

Sinopse: Há muito tempo, num distante mundo dos contos de fadas, uma jovem menina leva seu irmão pela floresta escura em busca de comida e trabalho, apenas para se deparar com o nexo de um mal terrível.

Maria e João: O Conto das Bruxas é uma fábula sombria e conceitual

João e Maria é um dos contos mais populares do mundo. Mesmo não tendo ganhado a típica adaptação pela Disney, a fábula popularizada pelos Irmãos Grimm ganhou o mundo, sendo repetida diversas vezes como um alerta para que crianças nunca aceitassem doces de estranhos e desconfiassem de qualquer “bom samaritano” que pudesse aparecer em seu caminho.

Infelizmente, essa história nunca teve uma boa repercussão nos cinemas, devido à camada brutal de violência que revela em seu final – e não há como fazer um filme voltado para crianças que termine em uma bruxa sendo cozinhada viva ou até mesmo em canibalismo… a não ser que a abordagem seja direcionada completamente para o terror. E é isso que Maria e João: O Conto das Bruxas faz.

O filme ganhou a atenção de muitos por escalar Sophia Lillis – recém saída do sucesso que foi a adaptação de IT: A Coisa – para o papel de Maria, a protagonista que ganha o holofote no título e na história, se tornando a peça central do embate entre a bruxa da floresta e os irmãos famintos que só procuravam um lugar para se alimentarem antes de serem sequestrados.

Porém, o que Osgood Perkins (diretor de A Enviada do Mal O Último Capítulo, ambos disponíveis na Netflix) faz em seu novo longa-metragem vai além de uma simples transcrição literal do conto dos Irmãos Grimm para as telas. De muitas formas, Maria e João: O Conto das Bruxas é um baita filme de terror, que se beneficia de uma atmosfera muito sombria e um trabalho conceitual absurdamente complexo.

Antes de mais nada, é importante dizer: se você é do tipo que torce o nariz para a leva atual de filmes de terror mais “cabeça”, sem tantos sustos e com um ritmo mais lento – vide A Bruxa, Midsommar, O Farol, Corra! -, talvez Maria e João não seja a melhor opção para você. O filme absorve toda a lógica de uma atmosfera densa, um ritmo menos turbulento e não há sequer um susto durante toda a projeção.

E dá para entender o motivo logo de cara. Intencionalmente ou não, Osgood Perkins parece se inspirar muito em A Bruxa (2015, dir. Robert Eggers) para compor seu longa-metragem. Vários momentos remetem diretamente ao filme, e toda a atmosfera sombria e sinistra está em peso aqui, ainda que o longa não tenha a mesma complexidade de temas e ideias que o filme de 2015.

E por complexidade, não quero dizer que Maria e João é um filme vazio e sem significado – longe disso. Mas enquanto Eggers materializava suas ideias em diálogos e cenas explícitas, Perkins busca uma abordagem sutil, que incorpora dezenas de subtextos interpretativos ao visual de seu filme, trazendo pequenas pistas na fotografia, na direção de arte e na estética do longa, como um todo.

“E que estética!”, diga se de passagem. O trabalho de Perkins cria um filme que traduz muito bem a ideia de um conto de fadas – ainda mais na época em que eles deviam ser vistos como histórias sombrias e soturnas para educar crianças através do medo. A construção visual traz isso com maestria, criando paisagens sobrenaturais com uma precisão inacreditável, mesmo em locais “livres” da influência da bruxa.

Além disso, muito do que o roteiro de Rob Hayes omite está na fotografia belíssima (cortesia de Galo Olivares, o diretor de fotografia que já trabalhou em filmes como Roma). O filme todo é centralizado ao extremo, com planos longos e angustiantes, que fazem com que o espectador logo comece a contemplar todo o ambiente e o que está no segundo plano, criando camadas de interpretação e conteúdo.

Ainda assim, o filme preza por uma ideia de que estilo é mais importante do que a substância, e isso não é escondido do público em momento algum. O filme não subestima a inteligência de ninguém tentando subverter a história de João e Maria, mesmo que adicione algumas novas subtramas e personagens apenas para que possa funcionar como um longa-metragem.

design de produção é algo que merece aplausos. O filme não tenta repetir nada que já foi feito em outras adaptações de contos de fadas, e portanto utiliza-se de uma estética quase que moderna e minimalista, sobretudo na casa da bruxa, por mais que nunca se torne um projeto anacrônico e confuso, mesclando temporalidades completamente distintas.

Um elemento que ressalta isso muito bem é a trilha sonora de Robin Coudert. A música opera com o clássico horrorsynth típico de filmes como A Hora do Pesadelo, Halloween Hellraiser, mas não de uma maneira que dê uma “atmosfera de anos 80”, e sim como um som perturbador, estranho e ameaçador, criando o medo através da parte técnica e não de sustos premeditados.

Outros elementos simbólicos também dão as caras na narrativa. O filme utiliza muito da figura dos triângulos em momentos alarmantes, seja para representar a trindade composta por Maria, João e a Bruxa, ou até mesmo para inserir a ideia de feminilidade, já que a história às vezes “deixa de lado” João para trabalhar a relação entre Maria e a Bruxa, que opera tanto como uma mestra quanto como uma figura materna.

Destaque também para as pequenas críticas operadas ao longo do filme, seja pela relação que a sociedade cristã sempre fez entre mulheres “livres” e o satanismo ou até mesmo como pessoas em situação de miséria se sujeitam às piores oportunidades para viver – um elemento muito presente em uma das primeiras cenas do longa, na qual Maria vai à casa de um homem rico para oferecer seus serviços como governanta.

Mas isso não desvia o caráter original da história, que permeia toda a trama: a clássica “lição de moral” da fábula sobre rejeitar a ajuda de desconhecidos e tomar cuidado com os presentes que são dados por pessoas estranhas. Isso é ainda mais trabalhado no longa graças a um conto secundário que “abre” o longa e é trazido de volta ao longo da história.

Até agora, falei muito da estética e não de outros elementos como atuação. Mas isso é o de menos. Sophia Lillis brilha como Maria, uma menina esperta, desconfiada e “livre”, enquanto Sammy Leakey faz um João inocente e até mesmo bobo, ainda que um pouco ausente da trama. Quem realmente dá a cara a tapa é Alice Krige, que interpreta uma bruxa muito diferente do que esperávamos. Ela é ameaçadora, mas ao mesmo tempo consegue ser doce, sutil e benevolente, criando uma “ambiguidade moral” para uma das vilãs mais conhecidas do mundo.

Em suma, Maria e João: O Conto das Bruxas é um ótimo filme, e um longa que deve ser universalmente amado pelo público que gostou de A Bruxa. É um filme belíssimo que traz uma história simples e direta, mas esconde em sua estética um ar maduro e diversos elementos interpretativos que requerem total atenção do público.

Seu ritmo lento é responsável por criar uma ambientação rica e um ar sombrio, e talvez seu maior deslize seja a rapidez de seu ato final, que não recompensa muito bem o público pela espera. Mas para quem gosta de contos de fadas e histórias sobrenaturais, temos aqui um prato cheio. É uma fábula sombria e conceitual, que não deixa de adaptar muito bem o conto atemporal dos Irmãos Grimm. 

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Na galeria a seguir, fique com imagens e cartazes do filme:

Maria e João: O Conto das Bruxas está em cartaz nos cinemas.