[CRÍTICA] 2020 Nunca Mais: Tem que rir para não chorar
[CRÍTICA] 2020 Nunca Mais: Tem que rir para não chorar
Criador de Black Mirror trabalha o imaginário do ano mais desgraçado do século!
2020 não foi um ano fácil para ninguém. Entre uma pandemia que disseminou um vírus letal, crises políticas cada vez mais graves, conflitos internacionais e diversas catástrofes ambientais, esse foi um ano que entrará para a história como um dos momentos mais frágeis para a humanidade. Felizmente, ainda podemos rir um pouco da nossa própria desgraça, como bem mostra o falso documentário 2020 Nunca Mais.
Idealizado por Charlie Brooker, o criador de Black Mirror, esse especial funciona como uma retrospectiva do ano, misturando imagens de arquivo com personalidades reais e cenas encenadas por atores, gerando um caráter satírico e irônico e combinando ficção e realidade ao melhor estilo de Brooker. Aqui, você pode conferir a nossa crítica desse lançamento disponível na Netflix.
Ficha Técnica
Título: 2020 Nunca Mais (Death to 2020)
Direção: Al Campbell e Alice Mathias
Roteiro: Charlie Brooker, Annabel Jones, Tom Baker, Kemah Bob, Ken Bordell, Munya Chawawa, Constance Cheng, Alan Connor, Erika Ehler, Charlie George, Eli Goldstone, Mollie Goodfellow, Jason Hazeley, Angelo Irving, Kae Kurd, Alison Marlow, Thanyia Moore, Joel Morris, Michael Odewale
Ano: 2020
Data de lançamento: 27 de dezembro (Netflix)
Duração: 70 minutos
Sinopse: Revisite a glória insana de 2020 nessa retrospectiva cômica
2020 Nunca Mais: Tem que rir para não chorar
Toda virada de ano é um evento muito simbólico para o mundo. Ainda que, na prática, as coisas não mudem, gostamos de ver cada ano como o início de um novo ciclo, o começo de uma fase próspera em nossas vidas. A virada de uma década, não menos importante, é um evento ainda maior, já que começamos a nos preparar para mudanças significativas no mundo ao nosso redor. Porém, às vezes as nossas esperanças são atropeladas por um carro desgovernado. E dessa vez, o carro se chama 2020.
Um ano marcado por catástrofes e desgraças, 2020 já começou com os dois pés na porta, com a ameaça de uma guerra mundial, a pandemia causada pelo Coronavírus e muitas crises políticas no planeta inteiro. Se você está lendo essa crítica, considere-se sortudo por ainda estar vivo e com plenas capacidades mentais (ou ao menos, é o que esperamos) ao final de um ano tão caótico e desesperador.
Pensando nisso, Charlie Brooker – o criador de Black Mirror, que havia confirmado que não lançaria uma nova temporada da série neste ano, afinal era difícil competir com os horrores da vida real – decidiu idealizar um projeto bem interessante, recheado de astros e estrelas do cinema e da TV, enquanto trazia à tona todas as catástrofes do ano em uma espécie de retrospectiva cômica. Nasce aí 2020 Nunca Mais.
Lançado pela Netflix, esse documentário falso conta com grandes nomes como Samuel L. Jackson, Lisa Kudrow, Cristin Milioti, Hugh Grant, Leslie Jones e Joe Keery, todos interpretando personagens bem genéricos – um jornalista, uma política, uma mãe exemplar, um jornalista, uma psicóloga e um influencer digital, só para citar os atores já mencionados como exemplo. Porém, o buraco do filme é mais embaixo.
O longa – que, na verdade, funciona mais como um especial televisivo – mistura elementos da vida real ao trazer filmagens, cenas de noticiários, imagens de arquivo e entrevistas com personalidades reais, junto de cenas roteirizadas e atuadas por essas celebridades. O resultado não poderia ser mais ácido e irônico, já que muitas personalidades reais são tão loucas e absurdas quanto as figuras existentes no roteiro.
E dizer isso é algo difícil, porque parece que o ano nos trouxe direto para os portões do inferno, com uma ascensão absurda de problemas reais – supremacia racial, políticas que visam a morte, negacionismo científico, intolerância religiosa. Tudo que há de ruim na humanidade floresceu e chegou ao ápice em um ano marcado pela polarização e pelo medo. Como se não bastasse o vírus mortal.
A primeira parte do falso documentário, que relata um pouco sobre as tensões do começo do ano e a ascensão do COVID-19 é a melhor. Aqui, temos um pouco de tudo, com piadas que acertam em cheio na hora de trabalhar um clima de tensão quebrado pelo absurdo. É brilhante por ser tão realista, como por exemplo a personagem vivida por Lisa Kudrow que está sempre distorcendo a realidade para se encaixar em sua narrativa política.
O filme também tece comentários bem interessantes sobre o papel das redes sociais no meio de tudo que tem acontecido, com Kumail Nanjiani interpretando um personagem que é claramente inspirado em Mark Zuckerberg. É interessante ver como Brooker (e sua equipe composta por quase vinte roteiristas) sabe trabalhar a insanidade do mundo real em uma narrativa fictícia, criando um humor mórbido e desconfortável.
O problema é que o filme não se sustenta até o fim. Quando se entra na parte das eleições americanas, as piadas perdem a graça e o filme cai num ciclo repetitivo, aonde vai até o final. É quase como se eles não soubessem mais o que colocar na história e apelam para um único tema que, de fato, gerou grande buzz no ano. Pelo menos, se destaca a ideia de mostrar como a política norte-americana é uma bagunça e nem os eleitores entendem o sistema de votação fracassado e antiquado.
Por ser uma produção norte-americana com um criador britânico, o filme acaba limitado aos acontecimentos dos Estados Unidos e da Inglaterra. Ainda assim, olhos mais atentos vão perceber diversas cutucadas e alfinetadas em crises que aconteceram ao redor do mundo – inclusive com o Brasil e o presidente eleito Jair Bolsonaro. Isso nos faz até querer ver uma retrospectiva cômica de todas as desgraças que aconteceram no país em 2020.
Por fim, uma crítica final a ser tecida contra o falso documentário é um segmento particularmente extenso que funciona como uma propaganda para a Netflix. Tudo bem que esse segmento até tem momentos divertidos, mas no geral é uma peça publicitária descarada que até nos tira do filme quando percebemos o caráter midiático e marketeiro da plataforma de streaming.
Enfim, 2020 Nunca Mais é um filme divertido e sarcástico, que não ajuda a descontrair mas ao menos nos faz rir (de nervoso). Por mais que tenha seus problemas, é uma visão interessante sobre um ano catastrófico, além de nos lembrar de não alimentar esperanças para 2021, afinal, como este mesmíssimo ano já nos provou inúmeras vezes, não há nada tão ruim que não possa piorar.
Nota: 3/5
2020 Nunca Mais está disponível na Netflix.
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