Vingando o Legado: Hulk

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Vingando o Legado: Hulk

Por Gus Fiaux

Atenção: Alerta de Spoilers!

Apesar de ser um dos personagens mais populares da Marvel, o Incrível Hulk sempre foi um dos mais difíceis de ser trabalhado nas telonas. Se, nos quadrinhos, a ideia de um monstro verde enraivecido dá pano para manga para diversas histórias de ação irrefreáveis, nos cinemas as coisas mudam um pouco de figura.

Não é de hoje que observamos a incrível história d’O Médico e o Monstro sendo adaptada – mesmo que não seja exatamente uma versão do livro escrito por Robert L. Stevenson. A ideia do “duplo”, de um lado sombrio de nós mesmos que está sempre por perto, representando o completo oposto de nossos ideais e convicções, sempre esteve presente no imaginário mundial – e é inclusive tema de um conceito teórico amplamente revisitado por Freud.

De certa forma, Bruce Banner sempre teve que conviver com isso. Nos quadrinhos, o personagem não apenas foi atormentado com o surgimento do Gigante Esmeralda, um monstro criado pela superexposição aos mortais Raios Gama. Em todas as suas histórias mais célebres, ele está sempre tendo que lidar com alguma versão “espelhada” de sua própria persona, seja o Maestro e o Professor Hulk ou criaturas diferentes de si mesmo, mas que retratam o oposto da personalidade do cientista genial, como o Hulk Vermelho, o Líder e o Abominável.

Bruce Banner: o Médico por trás do Monstro

Nos cinemas, a coisa não é diferente. O Hulk já teve uma versão televisiva e um filme na década passada, mas sua introdução no Universo Cinematográfico da Marvel se deu a partir de O Incrível Hulk, de 2008, um filme que atualmente não é muito lembrado pelos fãs, por uma série de motivos.

Ao longo do primeiro filme do herói, vemos o motivo pelo qual o Hulk é um personagem tão complexo – e difícil – para ser tratado nos cinemas. Ação é fundamental, mas quando um personagem vive apenas disso, é fácil que o público se canse dele cedo. No caso do Gigante Esmeralda, é necessário um equilíbrio entre a pancadaria pesada e um arco emocional maior.

No longa, vemos Edward Norton encarnando a pele de Bruce (cerca de 4 anos antes que Mark Ruffalo se estabelecesse no papel). O filme serve como uma espécie de “origem” para o personagem, sem necessariamente se aprofundar muito na criação do monstro – algo que, até então, era raro para os filmes de origens dos super-heróis da editora.

Aqui, vimos o Hulk como um ser já existente, sem retornarmos ao acidente que levou à sua criação. Vale lembrar que, na época, o personagem era um dos mais populares da Casa das Ideias – mais popular que o Homem de Ferro ou o Capitão América, por exemplo -, então não fazia sentido revisitar a história de origem que já era amplamente conhecida, até pelo público medo.

Entretanto, quando conhecemos Banner, descobrimos que ele é um homem em fuga – não apenas do Exército Norte-Americano, como também de si mesmo. Após um acidente, ele se esconde nas favelas do Rio de Janeiro – em cenas que são nada surpreendentemente aquém da representação do nosso país.

Porém, o tormento que sempre o persegue faz com que ele volte à ação. Após ser perseguido pelo General Ross, ele é obrigado a fugir mais uma vez, enquanto um soldado sanguinário chamado Emil Blonsky é enviado para caçá-lo friamente.

Ao retornar aos Estados Unidos, vemos uma série de personagens clássicos da mitologia do herói. Betty Ross é seu interesse romântico trágico, que nos mostra como o cientista se apaixonou pela filha do inimigo nº 1 do monstro. Samuel Sterns é um assistente que está constantemente tentando ajudá-lo com sua “cura”, até ser transformado no esquecido Líder nos últimos momentos do longa.

Contudo, o filme já nos apresenta de vez seu conceito e seu arco dramático da forma mais simples – e é o pretexto para toda a trama do Hulk na franquia: controle. Bruce Banner está sempre à procura de algo que o faça assumir as rédeas da situação, sem perceber que o Hulk, quer ele queira ou não, é a ferramenta enviada para que ele possa se salvar de si mesmo.

Tanto que, ao fim do filme, temos uma breve cena que dá os detalhes para isso de uma maneira bem óbvia quando, ao meditar, Banner consegue “liberar” os poderes do Gigante Esmeralda por sua própria vontade. Aqui, fica claro que a raiva pode até ser o principal gatilho do monstro, mas não é o único.

Corta para alguns anos adiante e temos Os Vingadores, a estreia de Mark Ruffalo no papel do cientista e do monstro. O motivo pelo qual os fãs não lembram muito da existência de O Incrível Hulk, além da troca de atores, é que essa versão do personagem era razoavelmente diferente do que nos foi apresentado no filme solo de 2008.

Mais uma vez em fuga, Banner é convocado pela Viúva Negra para ajudar na busca pelo Tesseract. No entanto, os planos da S.H.I.E.L.D. para o Gigante Esmeralda vão um pouco além, já que ele é considerado um “último recurso” caso as coisas não deem certo com Loki e os Vingadores.

Ainda assim, o testemunhamos mais uma vez perder o controle – dessa vez, quando o aeroporta-aviões da organização é derrubado a mando do Deus da Trapaça. Aqui, Banner nos lembra mais uma vez que é uma “bomba-relógio”, ao perder a calma e atacar a Viúva Negra e outros dos Heróis Mais Poderosos da Terra.

Entretanto, ele ainda aparece para a batalha final em Manhattan, nos lembrando que “está sempre com raiva” ao se transformar, mais uma vez por sua própria vontade, no titã esmagador. Na época, muitos fãs acharam que isso pudesse ser um furo de roteiro – e parte disso se deve ao ostracismo no qual caiu o primeiro filme do anti-herói.

Mas se nos lembrarmos do fim de O Incrível Hulk, podemos ligar os pontos e perceber como Banner, quando está dentro de suas capacidades mentais intactas – ou quando precisa, por instinto de sobrevivência – é capaz de convocar o Hulk sem, necessariamente, perder o controle e atacar os que estão próximos a ele.

Ainda assim, o problema não está necessariamente em Banner – e sim no Hulk. A prova disso é Vingadores: Era de Ultron. Aqui, vemos Banner já conseguindo conciliar seus dons heroicos com seu intelecto, se provando um forte aliado dentro e fora das batalhas.

Ainda assim, o controle continua sendo força-motriz de sua trama. O romance com a Viúva Negra, que soa absurdo (mas passa a fazer algum sentido quando lembramos toda a trama dada aos dois personagens por Joss Whedon em Os Vingadores), serve para mostrar com Banner sempre se esforça para manter à frente de seus impulsos monstruosos, mesmo quando o Hulk assume as rédeas dessa relação.

Por isso, quando vemos a Feiticeira Escarlate mexendo com a cabeça do verdão – e fazendo com que ele provoque uma destruição aterradora na África do Sul –, Banner fica tão abalado. De repente, ele vê que não possui domínio completo sobre seu lado esmagador – e isso volta a se tornar um motivo de terror para o cientista.

Não é à toa que, ao fim do filme, ele decide deixar os seus aliados para trás, partindo em um Quinjet para um rumo desconhecido. Alguns anos depois, descobrimos que ele havia parado em Sakaar, um planeta gladiatório – onde mesmo sem ter controle do monstro, é visto como um herói justamente por sua fúria impulsiva.

Verdão no controle.

E é curioso notar que, em Thor: Ragnarok, percebemos o quanto o alter-ego de Banner evoluiu. Se antes ele era uma criatura acéfala que mal conseguia falar, agora ele já possuía a mentalidade de uma criança, por ter passado tanto tempo “no controle”. Lembre-se disso, pois é essencial para o que veio depois.

O filme então nos traz o reencontro épico entre o Hulk e o Deus do Trovão. Eles conseguem se libertar de seu cativeiro e vão até Asgard, onde precisam lutar com Hela, a Deusa da Morte. Banner, após retornar à sua forma humana, diz que pode acabar se transformando irreversivelmente no Gigante Esmeralda caso o libere novamente.

Mas não é bem isso o que acontece. Em Vingadores: Guerra Infinita, que começa poucos segundos antes do fim de Ragnarok, vemos o Hulk levando uma surra homérica de Thanos. Envergonhado por sua derrota, ele passa o resto do filme sem “ressurgir”, deixando Banner na mão e o forçando a usar a armadura Hulkbuster, que anteriormente era usada como uma arma contra o herói.

É curioso notar aqui que a trama se inverte. Se antes Banner tinha medo de perder o controle ao assumir seu alter-ego verde, agora ele sofre com o “controle excessivo”, provocado pela ausência do Hulk. De certa forma, não deixa de ser uma falta de controle, já que ele não consegue liberar seu lado selvagem quando precisa, mesmo que isso dependa de sua sobrevivência.

E isso, obviamente, nos leva a Vingadores: Ultimato. O filme começa logo após o estalar de dedos de Thanos, e nos mostra como Bruce Banner também se sente derrotado, por não ter conseguido ajudado a impedir a Dizimação. É aí que o Médico e o Monstro se encontram e percebem que possuem mais coisas em comum do que aparentam.

Após um salto temporal de cinco anos, conhecemos a nova versão do Golias Verde: o Professor Hulk. Após lidar com a derrota em suas duas frontes, Banner percebe que ele e o Hulk são duas faces da mesma moeda, e que a “cura” para sua condição é justamente abraçá-la por completo.

Assim, o músculo se junta ao cérebro, e a linha que divide essas duas personalidades se torna mais tênue do que nunca.

Mais do que nunca, o Hulk demonstra toda sua evolução nos cinemas: de alguém que foge de si mesmo a alguém que abraça seu lado “sombrio” e o usa como sua maior vantagem. Em termos de arco dramático, é o fechamento de um ciclo, especialmente dentro do contexto da Jornada do Herói.

É claro que muitos ficaram decepcionados que o Hulk não tenha conseguido uma revanche física contra o Titã Louco – afinal, como dito anteriormente, a ação precisa equilibrar o desenvolvimento, já que isso é o que torna o personagem tão empolgante. Por outro lado, vemos o Gigante Esmeralda tendo uma revanche muito mais à altura de seu novo status quo.

De monstro a gênio

Afinal de contas, ele por fim é quem empunha a Manopla do Infinito e é responsável por desfazer o genocídio provocado por Thanos. Ele é o único capaz de empunhar esse poder, por mais que quase se sacrifique no processo. E é um testamento de sua evolução: antes, sem o controle, nem o Médico e nem o Monstro conseguiriam realizar tal feito.

Por fim, o Gigante Esmeralda encontrou tudo aquilo que precisava: paz. Em vez de recusar seu duplo, como fazia – na esperança de encontrar uma cura ou deixar o monstro acorrentado –, ele percebeu que sua jornada só estaria completa quando, em vez de tentar domá-lo, o aceitasse como parte de sua psiquê. No fim das contas, o herói mais atormentado do mundo foi quem acabou com o tormento do universo.

 

Na galeria abaixo, fique com cartazes de Vingadores: Ultimato, o mais novo filme do Universo Cinematográfico da Marvel:

Vingadores: Ultimato está em cartaz nos cinemas.