Por que é tão difícil produzir filmes de fantasia, ficção e terror no Brasil?
Por que é tão difícil produzir filmes de fantasia, ficção e terror no Brasil?
Falta de investimento ou de interesse do público?
Aos trancos e barrancos, o cinema brasileiro sobrevive. Por mais que as produções de Hollywood dominem, atualmente, a maior parte do mercado cinematográfico contemporâneo, as produções nacionais continuam se mantendo, devido ao seu alcance em outras mídias – sobretudo a televisão.
No entanto, você já deve ter reparado uma escassez considerável no que diz respeito ao “cinema de gênero” no Brasil. Esse é o desígnio dado aos filmes que buscam espaço com gêneros mais diversificados, como terror, fantasia, ficção científica, ação e por aí vai.
Se você não conhece muito de nosso cinema, provavelmente deve achar que só produzimos comédias, dramas e biografias, já que esses gêneros dominam as salas de cinema com uma abrangência considerável. Mas qual é a dificuldade que temos em produzir coisas que fogem dessas caixas? Seria a falta de investimento o único fator relacionado ou o interesse do público também conta?
O legado do cinema nacional é extenso e interessante, e estudá-lo é necessário para que tenhamos mais conhecimento a respeito do que se passa no mercado atual. 1908 foi o ano de lançamento do primeiro filme produzido no Brasil, pouco mais de uma década após a criação da sétima arte.
Ao longo de sua jornada, o cinema brasileiro passou por várias fases – mas é seguro dizer que nunca tivemos tanta profusão e rentabilidade no nosso cinema quanto hoje, mesmo com a “ameaça” de longas estrangeiros que disputam mais pelo espaço nas salas exibidoras.
No entanto, a história dos gêneros fantásticos no país é menor que sua história geral – mas não menos complexa. Enquanto o Brasil sempre foi o palco cultural para muitas histórias fantásticas (basta olhar o nosso folclore e lendas urbanas), o terror, a fantasia e a ficção científica nunca disputaram muito com outros gêneros, por uma série de fatores internos e externos.
O primeiro deles é o investimento.
Fazer cinema no Brasil é muito diferente de fazer cinema em Hollywood. A começar pelo fato de que o país ainda não conseguiu consolidar – ao menos, não totalmente –, a sua tradição cinematográfica como um mercado. Claro que filmes são feitos para lucrar e encher salas de cinema, mas principalmente aos olhos do público, ainda não é clara a ideia de que filmes são uma fonte de renda e emprego. Para se produzir um só filme, temos centenas de empregos criados todos os anos, além do incentivo aos mercados regionais onde os filmes são produzidos, comercializados e exibidos.
Nos Estados Unidos, a dinâmica é consideravelmente diferente, graças aos estúdios. Os filmes norte-americanos geralmente são produzidos “sob encomenda” pelas grandes máquinas cinematográficas, que enchem os cineastas de recursos para produzirem seus longas, curtas e séries.
Claro que ainda há muita produção independente – algo que tem crescido ainda mais, com a democratização da cultura e a ideia de que qualquer um, desde que tenha força de vontade (e uma boa lábia para “vender” o seu produto) pode ser um cineasta completo.
Mas ainda assim, os recursos obtidos por produtoras e estúdios são extensos – em parte, graças às inúmeras estratégias de patrocínio e marketing externo.
No Brasil, as coisas mudam um pouco de figura. Embora nossos filmes sejam lucrativos, ainda temos um modelo ultra-independente. Para que os filmes sejam produzidos – mesmo os que são financiados por grandes produtoras, como a Globo Filmes – o orçamento deve vir a partir de incentivos (estatais e privados).
E como era de se esperar, filmes de ação, ficção científica, horror e fantasia são caros. O orçamento para esse tipo de filme normalmente é muito maior que o de filmes de comédia e drama, já que exigem gastos com departamentos como efeitos visuais, maquiagem, direção de arte e até mesmo cenografia.
O problema é que a escassez de recursos é algo com o qual vários cineastas precisam lidar – especialmente os estreantes. E com as leis mudando consideravelmente, abolindo o financiamento estatal, esses recursos caem ainda mais. Tudo isso, claro, partindo do errôneo senso-comum de que filmes só enchem os bolsos dos artistas e não trazem uma contrapartida financeira, cultural e social para o país e para quem gasta com esse financiamento.
Além disso, temos o interesse do público. No mercado brasileiro, tão inundado por lançamentos norte-americanos, o público (ou ao menos, a maior parte) simplesmente não quer ver um filme de horror ou ficção científica nacional, por acharem que tais filmes são mal-feitos ou não possuem tanta qualidade técnica quanto os lançamentos estrangeiros.
(E de certa forma, não estão errados. Quais chances os filmes nacionais têm contra produções multimilionárias como, por exemplo, Vingadores: Ultimato?)
A partir disso, cria-se um ciclo vicioso. O público acha que esses filmes são mal-feitos. As salas não enchem. As empresas veem essa escassez e se recusam a investir, achando que não há retorno suficiente para eles. E os filmes continuam com recursos escassos.
Há formas e formas de remediar isso – a primeira delas sendo o incentivo ao cinema nacional a partir de sua base. Temos uma lei, prevista pela Constituição, que obriga as escolas a exibirem ao menos duas horas de cinema nacional por mês. No entanto, são poucas as instituições de ensino que se propõem a fazer isso – o que acaba corroborando com a noção de que “filme nacional não presta”, já que as pessoas nunca sequer têm contato com esse tipo de obra.
Outra forma de se olhar para isso é ver o que a China fez em seu mercado cinematográfico. Durante anos, o país era muito restrito às produções internacionais que podiam ser exibidas por lá. Isso acabou criando uma demanda própria para as salas de cinema, e os próprios cineastas chineses começaram a fazer filmes lucrativos e extremamente populares. Atualmente, entre as maiores bilheterias de cada ano, não é difícil ver lançamentos asiáticos, algo que nunca sequer era cogitado no ápice da hegemonia norte-americana.
Claro que eu não estou falando que o Brasil precisa começar a se fechar para os lançamentos estrangeiros – isso inclusive vai contra os princípios da globalização e da difusão da cultura, além de servir como base para a censura cultural (o que nunca é uma boa ideia). No entanto, se os exibidores ao menos respeitassem a cota de tela dos filmes nacionais – como previsto por lei – já nos manteríamos em uma boa posição.
E mesmo com todos esses problemas, o cinema sobrevive.
Atualmente, vemos uma constante forte no que diz respeito às comédias – basta ver o sucesso de filmes como Minha Mãe é uma Peça, Até que a Sorte nos Separe e a trilogia De Pernas pro Ar. E mesmo que esses filmes não sejam lá muito adorados pela crítica, eles garantem um público grande o suficiente para que outros gêneros possam ganhar mais espaço.
No Brasil, a cultura do gênero não é escassa e encontrou formas surpreendentes de se manter viva. Para citar um exemplo amplamente conhecido, podemos falar de Zé do Caixão, o pai do horror nacional, que sempre produziu seus longas de uma forma ultra-independente, com baixíssimos orçamentos, e ainda assim construiu um legado espetacular.
Muitos seguiram seus passos, especialmente no que diz respeito ao horror. Nomes como Marco Dutra, Juliana Rojas, Ricardo Ghiorzi, Rodrigo Aragão e Gabriela Amaral Almeida.
Além disso, não podemos nos esquecer de que o cinema nacional possui sucessos em “ondas”. Quando um filme “fora da caixinha” é produzido e faz sucesso, logo em seguida vemos diversos longas que pegam carona, criando um novo movimento dentro de suas propostas – basta ver como Tropa de Elite fomentou a produção de filmes de ação e policiais, ou como, nos últimos anos, tivemos um grande apanhado de biografias de músicos, a partir de Cazuza: O Tempo Não Para.
Este artigo surgiu de um questionamento feito após eu ir ao cinema para assistir Histórias Estranhas, um longa antológico de horror feito de maneira independente (e idealizado pelo já mencionado Ricardo Ghiorzi), que apesar de apostar no trash, não deve em nada a muitas produções Hollywoodianas.
E o mais interessante disso é que o longa foi exibido em todo o Brasil a partir de uma iniciativa da rede Cinemark, chamada Projeta às 7 – de segunda à sexta, durante duas semanas, um filme nacional é exibido às 19h por preços promocionais. E mesmo com essa oportunidade, me surpreende ver que este longa, assim como vários outros da programação, não “caíram na boca do povo”.
Ainda nos falta muito para termos um cinema consolidado e tão bem-visto quanto o Hollywoodiano. Ainda assim, nós resistimos. E não precisamos olhar muito longe para isso. Recentemente, no Festival de Cannes, o filme Bacurau, do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho ganhou o disputado Prémio do Júri, sendo um ótimo exemplo para o cinema nacional.
O filme vem para quebrar vários paradigmas – e desconstruir padrões errôneos do senso comum. Trata-se de um filme de faroeste, horror e ficção científica, além de ter se provado um longa rentável e que abriu mais de 800 vagas de emprego no país.
Você pode conferir o trailer do filme a seguir:
Ainda há muito que precisamos repensar a respeito do cinema brasileiro. Tanto no que diz respeito ao interesse por parte do público quanto o interesse de patrocínio por parte das empresas que financiam essas obras. Até lá, será uma longa jornada. Mas, aos trancos e barrancos, o cinema nacional sobrevive.
Na lista a seguir, veja 10 filmes de terror nacional que você precisa conferir!