Por que cineastas como Steven Spielberg não veem a Netflix com bons olhos?
Por que cineastas como Steven Spielberg não veem a Netflix com bons olhos?
Entenda o que defendem alguns nomes de prestígio de Hollywood!
Se você esteve na internet nas últimas semanas, deve ter lido sobre a polêmica que vem balançando as estruturas de Hollywood. Na treta, os personagens são o cineasta Steven Spielberg, a gigante do streaming Netflix e o prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. E como esses fatores se configuram? Spielberg quer barrar a Netflix do Oscar. Num primeiro momento soa como uma grande bobagem, mas vale a pena entender a razão disso antes de chegarmos a qualquer conclusão.
Não há hoje uma pessoa no mundo que tenha o hábito de assistir filmes e séries que já não tenha experimentado a comodidade da Netflix. Nos últimos anos, podemos assistir o crescimento do streaming como um dos modelos que mais rápido se estabeleceram no que diz respeito ao consumo de conteúdo audiovisual. Acontece que, não contente em fazer parte apenas do mercado exibidor, essas empresas perceberam que poderiam e deveriam começar a produzir seu próprio conteúdo.
Porém, é claro que isso não iria acontecer sem que Hollywood, uma das indústrias mais bem estabelecidas do mundo, entendesse esse modelo como uma verdadeira ameaça. Apesar de já termos provado por aqui que a Netflix não está realmente arruinando o cinema, alguns cineastas de prestígio acreditam no contrário. Mas o que dizem esses diretores? Qual é realmente “o problema” do modelo Netflix para eles?
Além do cineasta por trás de Jurassic Park e do recente Jogador Número 1, outros grandes diretores como Christopher Nolan (O Cavaleiro das Trevas e Dunkirk) e Pedro Almdóvar (A Pele que Habito e Tudo Sobre a Minha Mãe) já apresentaram publicamente críticas ferrenhas à plataforma de streaming, e no fim todos tocam no mesmo ponto: a recusa da Netflix em exibir seus filmes na tela grande.
Para Christopher Nolan, o problema não é a existência do serviço de streaming, ao qual ele até já elogiou, mas sim “sua dificuldade em apoiar as salas de cinema”. Diretores como ele acreditam fielmente que cinema em seu significado mais transparente não é simplesmente um produto audiovisual e sim uma arte que se cria para as telas grandes, o único lugar onde, por muitas décadas, era possível se assistir a um filme.
O espanhol Pedro Almodóvar consegue ser ainda mais devoto das salas de cinema quando diz “Creio firmemente que, ao menos na primeira vez que uma pessoa vê um filme, a tela não deve ser parte da nossa mobília. Devemos nos sentir diminutos, humildes, diante daquilo que vemos”. O diretor foi júri do Festival de Cannes em 2017, o ano em que dois filmes da Netflix (Okja e Os Meyerowitz: Família Não se Escolhe) concorriam à Palma de Ouro, um dos prêmios mais respeitados do cinema. No ano seguinte, a empresa foi convidada a se inscrever para competição apenas se seus filmes fossem exibidos em cinemas da França, o que não aconteceu e fez a Netflix ficar fora do festival.
Spielberg disse que vê a Netflix como uma evolução da luta das salas de cinema com a televisão, que começou na década de 1950. Para ele, é muito lógico que filmes feitos para streaming deveriam ter espaço em premiações como o Emmy, que é totalmente voltada para obras televisivas. O que todos esses cineastas defendem é que o consumo de cinema em casa é parte do processo de vida de um filme e não onde ele deveria nascer.
A prova disso é que uma das concorrentes da Netflix, a Amazon Prime, recebeu elogios de Nolan exatamente por produzir e distribuir filmes para os cinemas e só depois colocá-los em seu catálogo. “Dá pra ver que a Amazon está claramente feliz em não cometer o mesmo erro [que a Netflix]”, disse o diretor da trilogia do Homem-Morcego. “Os cinemas têm uma janela de 90 dias. É um modelo perfeitamente utilizável.” A Amazon já conseguiu emplacar alguns filmes no Oscar, como Manchester à Beira-Mar, Doentes de Amor e Guerra Fria.
Mas nem só de criticar a Netflix vivem os cineastas, que acham que o problema consegue ser ainda mais embaixo e envolve todos estúdios de cinema. Para Spielberg, hoje a maioria das produtoras preferem apenas arriscar no garantido: filmes que geram muita grana para os cofres dos estúdios, em sua maioria franquias de sucesso. Nisso, eles acabam por ignorar filmes de baixo ou médio orçamento, fazendo com que esses filmes encontrem um lar apenas na “mãe Netflix”. Ou seja, os serviços de streaming não deixam de ser também uma resposta de parte da indústria.
E isso é algo que alguns cineastas defensores da Netflix também já abordaram, como Alfonso Cuarón (Gravidade e Roma) e Ava DuVernay (Selma e Uma Dobra no Tempo), que se sentem representados pela ideologia de democratizar o cinema, proposta pela Netflix. Cuarón aponta que alguns filmes menores jamais vão conseguir o mesmo apoio dos exibidores que os blockbusters americanos, como foi o caso de Roma: um filme preto e branco, sem estrelas e falado em espanhol. Ava DuVernay acredita que pessoas que não tem acesso a salas de cinema devem ter a oportunidade de assistir aos filmes tanto quanto quem tem.
Por tanto, não é difícil perceber que não se trata de uma discussão simples e maniqueísta. Spielberg não quer simplesmente impedir que os filmes da Netflix ganhem prêmios, ele quer pressionar a Netflix a exibir seus filmes nas salas de cinema. Enquanto isso, a gigante do streaming quer continuar sendo fiel a seus assinantes, dando a eles todo o conteúdo direto em sua plataforma.
Se a Academia do Oscar ceder a investida de Steven Spielberg, é provável que uma linha muito mais visível se coloque entre Cinema vs Netflix, e não dá para saber ainda, caso isso aconteça, se alguém vai realmente sair ganhando.
Na galeria abaixo, relembre os 10 melhores filmes originais da Netflix: