Como adaptar (ou não) Resident Evil!
Como adaptar (ou não) Resident Evil!
Sobre Resident Evil, como transformar jogos em filmes e se manter hidratado.
Jogando o novo Resident Evil 2, é fácil emergir no mundo claustrofóbico proposto pelo game. Zumbis em corredores estreitos, jacarés mutantes no esgoto e essa sorte de coisas. Após deixar o PS4 em repouso e ir buscar um copo d’água com gelo (é importante a gente se hidratar nesse calor), me deparei com a notícia de que a Netflix vai adaptar a franquia em forma de seriado. Indo ao ponto: não sei se vai dar certo, porque a história dos jogos é meia-boca.
Eu amo Resident Evil como um jogo, mas se você isolar cutscenes e editá-las como um filme, o resultado é algo cujo valor de entretenimento é questionável. O que me fez pensar na adaptação quintessencial de Resident Evil.
Resident Evil por Resident Evil
Os melhores jogos da franquia, segundo o metacritic e o coração dos fãs, são os antigos. Eles são títulos cujo gameplay é movido sob a interação de seu personagem com um cenário (a mansão em RE1, a delegacia em RE2). Este cenário é cheio de elementos lúdicos como quebra-cabeças obtusos, portas sem tranca e pessoas que por algum motivo levantam estantes com um macaco hidráulico. Basicamente, você zanza por um espaço tentando desvendá-lo, procurando por itens e dicas dentro de itens.
Neste ambiente críptico e soturno que você precisa decifrar, existem corredores estreitos com mortos-vivos e demais intempéries biológicas que te perseguem para aumentar sua adrenalina. Isso faz com que você corra para desvendar o ambiente logo, chegar num save e respirar aliviado para tomar um copinho d’água como preparação para mais uma rodada de sobrevivência. É intenso e funciona pela natureza interativa do negócio. Uma experiência passiva nestes moldes seria frustrante.
Imaginem um filme no qual alguém procura por itens em salas escuras brincando de pega-pega com um gigante cinza trajando cartola. Não dá, precisamos de elementos dramáticos ali. É o preço que se paga ao adaptar algo interativo como um jogo. Você precisa dramatizar os trechos de gameplay.
Mas são estes trechos de gameplay que nos investem nos personagens desta franquia. Você ajudou Leon e Claire a saírem vivos dessa. Vocês são cúmplices de sobrevivência, melhores amigos pós-apocalípticos. Como você emula este elo sagrado formado pela interatividade do gameplay em um filme? Bem, é nessas horas que entra um bom roteiro para dar substância aos personagens. Do contrário, o resultado é o mesmo de editar cutscenes para formar um filme: nossos heróis vão parecer recortes de papelão com um mínimo de expressividade.
Quando falamos de adaptação, é necessário atrair o material fonte para fins dramáticos. Fazer alterações aqui e ali contanto que a essência da obra original seja respeitada. O problema é que a própria essência narrativa de Resident Evil exala ares de filme B, o que pra mim é extremamente divertido no contexto de um jogo interativo sobre zumbis e mutantes biológicos. A essência de Resident Evil não daria um filme muito bom.
A maioria (maioria, não todos) dos jogos Resident Evil costuma cometer um pecado em seu terceiro ato. Eles normalmente começam intensos e assustadores, focando na sobrevivência. Então eles fornecem um arsenal bélico para o jogador nos momentos finais, descambando para uma narrativa de ação explosiva que sabota o suspense inicial. Resident Evil 7 talvez seja o título que mais sofra deste mal, enquanto REmake2 consegue contornar esta mazela, preservando a intensidade da sobrevivência até seus atos finais. Ainda assim, o laboratório da Umbrella, palco dos momentos finais do título, não carrega o mesmo ar soturno de casa mal-assombrada que impregna as paredes da delegacia, área inicial do jogo.
Resident Evil, os jogos, tem essa mania de serem muito explicativos ou grandiosos no desenvolvimento de sua mitologia. Quando Leon é só um policial tendo um primeiro dia de trabalho ruim, ele é mais relacionável do que o Leon super-soldado de Resident Evil 6.
A franquia funciona melhor operando em território nebuloso, quando você não sabe exatamente o que está acontecendo e se o seu personagem tem o perfil necessário para sobreviver. Você tem mais medo do que não entende, em outras palavras. Um filme sobre o primeiro dia de Leon na delegacia tem potencial de ser um Madrugada dos Mortos moderno e assustador. Um filme sobre Leon escapando do laboratório da Umbrella prestes a explodir já tem outra essência, outro tom, um menos horroroso e mais alucinante.
E então temos a franquia de filmes de Resident Evil. Eu a assisti de novo recentemente e, embora tenham coisas abomináveis ali no meio, acho que são filmes que recebem mais ódio do que merecem.
Adaptando um jogo, ou, como “Aliens “é a sua adaptação de videogames favorita.
Voltemos ao ano de 1986. Foi um grande ano para o Brasil, visto que era lançada a moeda Cruzado. Ela equivalia a mil cruzeiros e mais tarde seria substituída pelo Cruzeiro Novo antes de chegarmos no Real, mas a gente não sabia disso ainda. Provavelmente porque não tínhamos nascido. Em outro recôndito do mundo, lá nos States, era lançado o filme Aliens. O plano Cruzado e o filme Aliens foram lançados no mesmo ano. Como economia é um negócio meio chato (mas importante, devíamos ler sobre economia) vamos falar sobre o filme Aliens, que é muito mais legal. Ele tem fuzileiros espaciais e criaturas com ácido no lugar do sangue. Os fuzileiros espaciais atiram nas tais criaturas ignorantes ao fato de que o sangue delas é ácido.
Não é de hoje que existem ensaios no youtube e artigos falando sobre como Aliens afetou a indústria dos videogames. Ele possui em sua essência algo muito intrínseco aos jogos de ação e sobrevivência: o sentimento de progressão.
Os personagens chegam em um local (a colônia abandonada), lutam com criaturas para abrir caminho e encontrar refúgio, passando assim por diversas situações que poderíamos muito bem isolar como fases em um videogame. Isso tudo até chegarmos na batalha final contra a Rainha Alien, fechando o filme com a deliciosa cereja no topo do bolo que é uma intensa luta contra um último chefe. O boss tem até duas fases, como nos melhores videogames. Aliens é um bom filme. Ele teve a estrutura de seu roteiro e elementos estéticos copiados em diversos jogos (Halo, Metroid, Contra, para citar alguns). Mas este é um texto sobre Resident Evil.
Resident Evil: O Hóspede Maldito (2002), Resident Evil 4: Recomeço (2010) e Resident Evil 5: Retribuição (2012), possuem a mesma estrutura do roteiro de Aliens, brincando com o progresso dos protagonistas através de ambientes que emulam fases. Se a mitologia de Resident Evil (os jogos) é sagrada para você, sim, os filmes escarram nela. Mas acho que é de uma maneira mais lúdica do que maldosa, como se a franquia tivesse virado um parque de diversões voltado para a ação absurda do diretor Paul W.S. Anderson e sua esposa Milla Jojovich.
Destaque para Retribuição. O quinto filme da franquia Resident Evil parece satirizar a estrutura de roteiro de seus antecessores entregando tudo em potência máxima. O ambiente agora é um laboratório de simulação da Umbrella. As fases são em diferentes países com visuais distintos e temos até eventuais encontros com chefes, incluindo uma versão mais poderosa do Licker (chefe final do primeiro filme) que sequestra uma garotinha, emulando claramente Aliens.
Resident Evil 4: Recomeço apresenta sua versão do Executioner, miniboss do quinto game. Ele conta com anzóis enormes trespassando um saco de batatas usado como máscara. O personagem arrasta um martelo de tamanho descomunal. Não existe razão prática para um negócio daqueles existir. Quem era esse cara quando ele foi mordido? Um cosplayer ultra-realista de alguma criatura de Silent Hill? A gente releva isso no jogo por precisarmos de obstáculos imponentes. E ali ele está, servindo como um obstáculo também aos protagonistas de Resident Evil 4. Resident Evil 5: Retribuição traz dois deles, tipo quando Silent Hill joga dois Pyramid Heads contra você.
O ponto é, alguns filmes de Resident Evil são videogames pra caramba. Podem não ser Resident Evil pra caramba, mas existe mérito na maneira como o roteiro flerta com o fator lúdico dos jogos, especialmente o senso de progressão.
Sobre adaptações que virão.
Torço para acertarem no futuro das adaptações de Resident Evil. O que fizeram com Castlevania foi bacana, mas imbuíram uma visão bastante autoral na hora de traduzir o título para outra mídia, tornando-o algo diferente do que vemos nos jogos em si. Talvez façam o mesmo com a franquia da Capcom. Não sei. O que eu sei é que Resident Evil 2 (2019), o jogo, é incrível. É sabido também que nenhuma adaptação vai passar a mesma intensidade de estar sem munições num corredor escuro com Mr. X vindo em seu encalço enquanto dois zumbis se esgueiram no caminho à frente. Eu só quero salvar o jogo e tomar um copo d’água, cara.
Fique com mais imagens do remake de Resident Evil 2:
Resident Evil 2 está disponível para PlayStation 4, Xbox One e PC.