Aliens também são gente!
Aliens também são gente!
Como filmes e séries estão trazendo um ângulo diferente sobre refugiados e imigrantes.
Atenção: Alerta de Spoilers!
“Meu nome é Kara Zor-El. Eu sou de Krypton. Eu sou uma refugiada neste planeta”. Desde sua terceira temporada, no momento de apresentação da série, Supergirl deixa uma mensagem mais do que clara: a grande heroína da série se identifica como uma refugiada. Antes de ser A Garota de Aço, ela é uma jovem cujo planeta foi destruído, que perdeu boa parte de sua família, cultura e história, que se encontrou em um planeta desconhecido, mas foi salva por um grupo de pessoas que a acolheu e a ajudou em um momento difícil. Na quarta temporada de sua série, ela enfrenta um grande grupo de extremistas que dizem que ela e outros aliens devem “voltar para seus planetas”.
Essa não é a primeira vez que vemos a ficção abordar questões reais por meio de alegorias, poderia passar um bom tempo citando exemplos como X-Men, Blade Runner e até mesmo O Exterminador do Futuro 2; mas deixarei apenas uma pequena frase retirada de um antigo “soapbox” (uma coluna editorial que os quadrinhos da Marvel tinham antigamente) de Stan Lee:
“Conforme o tempo foi passando e percebemos que nossos leitores eram mais maduros, mais sábios do que qualquer um havia suspeitado, começamos a tocar em assuntos reais, problemas reais que confrontam esse nosso mundo desanimador”.
Sim, infelizmente o mundo é bem desanimador na maior parte do tempo. Contudo, através de obras de ficção, como livros, quadrinhos, filmes e séries, podemos ver soluções e alegorias de todos esses problemas e situações ruins e confrontá-los em outra mídia e outro universo. Olhando para uma tela de cinema é fácil nos identificarmos com os problemas enfrentados pelos heróis, mas em alguns momentos raros – realmente belos e importantes – conseguimos fazer algo ainda maior e melhor: sentir empatia por alguém completa, totalmente diferente de nós.
Assim, algumas obras recentes como Bioshock e Jogos Vorazes nos fazem enfrentar governos totalitários, enquanto The Last of Us e The Walking Dead falam sobre o fim de uma civilização e a necessidade de uma comunidade e pessoas com as quais você pode contar.
Normalmente todas essas alegorias, referências e temas servem como um pano de fundo que está lá, porém nunca é abordado de cara, em primeiro plano – ao se identificar como uma refugiada, Supergirl faz exatamente isso. Na temporada atual da série da Garota de Aço temos uma trama extremamente política sendo trabalhada e desenvolvida entre os poderes, trajes heroicos e lutas contra super-vilões: Os Filhos da Liberdade são um grupo de extremistas que acreditam que todos os aliens são ruins e merecem morrer ou voltar para seu planeta de origem.
“Muitos deles fugiram da guerra, destruição e fome em seus planetas” diz a Supergirl para uma multidão que clama para que os direitos de todos os aliens sejam retirados, porém isso não importa para muitos deles, já que como é citado pelos próprios Filhos da Liberdade ou seus simpatizantes, aliens são criminosos que roubam empregos. Enquanto nas outras temporadas a heroína sempre teve um grande vilão que podia derrotar com um soco, agora ela precisa enfrentar um pais dividido e uma ideologia baseada no ódio e medo.
Contudo, não é apenas em Supergirl que estamos vendo essa mesma trama acontecendo. Em Capitã Marvel muitos fãs ficaram chocados quando é revelado que os Skrulls, na verdade, não são vilões, mas que estão apenas querendo viver em paz e fugir dos Kree – que destruíram o planeta natal deles e agora os caçam por toda a galáxia por não terem se ajoelhado perante a supremacia do Império. Roswell, New Mexico, a nova série da CW, traz três irmãos que são aliens e estão tentando viver na famosa cidade e manter seu segredo, temendo que alguém descubra a verdade e eles sejam mortos ou presos em um laboratório pelo resto de suas vidas.
Todas essas obras recentes trazem uma alegoria nada sútil: imigrantes e refugiados. Em 2015 o mundo se sensibilizou e ficou chocado com as barbaridades ocorridas no Oriente Médio, Sudeste Asiático e África. Fugindo da guerra, fome, perseguição política e religiosa, pobreza e com milhares de mortos, mais de 65 milhões de pessoas fugiram para a Europa, Estados Unidos, Canadá e outros países. Ainda hoje muitas famílias estão em uma situação precária e tentando escapar dessa situação. Assim como os aliens de Supergirl, boa parte dessas pessoas são recebidas com mensagens de ódio e ataques violentos baseados em racismo e xenofobia.
No material divulgado de Capitã Marvel era fácil olhar para os Skrulls e dizer que eles eram os vilões, afinal, eles são seres verdes que podem se transformar em qualquer um (ou seja, traiçoeiros) e estavam sempre lutando contra a heroína. Tudo isso, contudo, é quebrado junto da perspectiva de Carol Danvers sobre a espécie alienígena e o espectador percebe que, assim como ela, foi enganado por uma “boa edição” dos fatos.
Qualquer fã de quadrinho pode te dizer que os Skrulls, como uma raça, são vilões. Claro que vez ou outra aparece um Skrull bonzinho, mas é a exceção à regra. No filme da Marvel Studios vemos o contrário disso. Por fim, podemos relacionar os Skrulls com o Outro, um ser criado em nossa mente como uma figura extremamente distante e nada relacionável, que possui uma língua, cultura, religião ou aparência diferente.
Contudo, quando vemos o lado dos Skrulls no filme, começamos a deixar as suspeitas de lado e os compreendemos, ficando ao lado deles ao invés dos Kree, que são bem mais semelhantes aos humanos (mesmo os com a pele azul). Obviamente eles estão em uma guerra e ambos os lados cometeram atrocidades, mas de qual lado se deve ficar? Aqueles que querem controlar e assimilar mais uma raça ao seu império, ou aqueles que são forçados a fugir e se esconder?
Ao final do terceiro episódio de Roswell, New Mexico temos um dos antagonistas falando sobre Max, um dos aliens da série; completamente tomado por seu medo e ódio ele o compara a um terrorista. No episódio piloto, Max fala sobre si mesmo: “Sou um filho, um irmão, um policial […] Você me perguntou o que eu sou, sou apenas um cara de Roswell, somente isso”.
Ao vermos os filmes e séries, é fácil para muitos pensarem que isso é algo distante e longe, contudo, agora mesmo o Brasil está lidando com uma grande crise de refugiados. Segundo a ONU a crise migratória da Venezuela está quase no mesmo nível que a de 2015 (via BBC) e boa parte destes imigrantes e refugiados estão vindo para o Brasil. Fugindo da falta de alimentos, remédios, serviços básicos e um governo ditatorial, eles também estão sendo recebidos aqui com as mesmas mensagens de “voltem para sua casa”.
Para compreender a crise dos refugiados, é necessário entender quem são os refugiados. Trata-se de um grupo específico de imigrantes que recebem essa denominação por conta de uma convenção feita em 1951 que trouxe regulamentação aos diferentes tipos de imigrantes. Refugiado é uma pessoa que sai de seu país por conta de “fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas”, em situações nas quais “não possa ou não queira regressar”. (Carla Mereles em 2016 para o Politize)
A partir dos anos 50 e 60, com o aumento de filmes de ficção e teorias de conspiração, o termo “alien” passou a se referir a seres extraterrestres: os pequenos homens verdes de marte. Antes disso, contudo, a palavra tinha uma conotação bem mais específica. Segundo o Etymonline a palavra alien possui algumas origens, dentre elas o latin alienus de “pertencimento a outro, não próprio, estrangeiro, estranho”; já o dictionary.com deixa claro que a palavra pode ser considerada ofensiva e depreciativa, significando “um residente de um país que nasceu em ou possui aliança com outro país e/ou não adquiriu cidadania por naturalização no país de residência”.
Muito antes de existir a palavra imigrante ou refugiado, já existia a palavra alien. Até hoje a utilizamos para nos referir a pessoas distantes ou excluídas com o “alienado/a” e é apropriado que as obras fictícias da atualidade estejam se utilizando dessa ligação para trazer empatia e identificação para o público. Com o momento em que estamos vivendo, é interessante e importante notar como a ficção está nos ajudando a ter uma nova perspectiva sobre o mundo ao nosso redor.
E se você ainda acredita que ficção e realidade não deveriam se misturar, em sua “soapbox” de Vingadores #74 em março de 1970, Stan Lee disse:
“De tempos em tempos recebemos cartas de leitores que se perguntam porque tem tanta moralidade em nossas revistas. Eles se esforçam muito ao apontar que quadrinhos deveriam ser uma leitura de escapismo e nada mais. Mas de alguma forma, não consigo ver isso. Me parece que uma história sem uma mensagem, não importa o quão subliminar, é como um homem sem uma alma. Na verdade, mesmo a literatura mais escapista de todas – contos de fadas antigos e lendas heroicas – contém pontos de vista morais e filosóficos. […] Nenhum de nós vive em um vácuo – nenhum de nós é intocado pelos eventos do cotidiano – eventos que moldam nossas histórias assim como moldam nossas vidas. Claro que nossas tramas podem ser chamadas de escapismo – mas somente porque algo é feito para se divertir, não significa que temos que desligar nossos cérebros enquanto lemos. Excelsior!”
Confira também algumas imagens de Capitã Marvel: