A maneira certa de desconstruir o Superman!

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A maneira certa de desconstruir o Superman!

Por Guilherme Souza

O Superman é considerado o maior super-herói das histórias em quadrinhos, a partir dele, diversos outros heróis se originaram, sendo a base para a indústria que conhecemos hoje em dia. Contando com 80 anos de existência, o herói já passou por inúmeras aventuras e versões diferentes, mas existe uma coisa na essência do Superman que o torna especial e único.

Obviamente, com todo esse tempo em cena, é claro que já vimos a origem do herói sendo contada novamente por diversas vezes, afinal, chega um momento em que é preciso analisar o herói através de outras perspectivas, mas na grande maioria delas, uma coisa é imutável: os valores do Superman. Quando esses valores são respeitados, ainda conseguimos enxergar o herói que é considerado o “símbolo de esperança”, independente de sua origem, mas quando a essência dele se perde na tentativa de lhe dar uma nova origem, podemos ter um personagem que não cria um laço emocional com o público.

Em 2004, o escritor Kurt Busiek lançou um trabalho chamado “Superman: Identidade Secreta”. uma história que nos apresenta um mundo onde o Superman não passa de um personagem fictício de histórias em quadrinhos, porém ainda assim, ele é extremamente popular, o que faz com que uma família Kent qualquer no Kansas dê o nome de Clark a um de seus filhos.

No decorrer da história, vemos o jovem Clark frustrado com a peça que seus pais lhe pregaram quando ele nasceu, um estereótipo que o acompanhou ao longo de toda a sua vida. Inicialmente, aquele Clark é apenas um garoto terráqueo comum, sem poderes e sem nada que o tornasse especial, apenas uma piada de mau gosto, mas é aí que as coisas ficam interessantes. Busiek nos coloca literalmente na ótica do personagem e nos faz questionar: “o que eu faria se descobrisse que tenho superpoderes?”

Diferentemente do Superman tradicional, o herói de “Origem Secreta” não veio de um planeta destruído, mas ainda assim, partilha dos mesmos valores do herói da ficção. Ao longo da história, vemos que todo aquele fanatismo da família de Clark o inspirou a ser como o Superman dos quadrinhos, o inspirou a ser alguém melhor.

Anos mais tarde, Max Landis nos apresenta a mais uma versão do Superman, que embora seja bastante similar ao cânone principal, possui uma história contada por uma nova perspectiva, onde o alienígena tenta balancear seu lado humano comum com o mundo fantástico dos superpoderes.

Em “Superman: Alienígena Americano“, acompanhamos a vida de Clark Kent desde sua infância, ciente de sua origem alienígena e tentando aprender a lidar com seus poderes. Na história, os moradores de Smallville também são cientes de quem Clark é e até mesmo tentam alertar os Kent de que ele pode ser um perigo, mas ainda assim, os pais do garoto não se acanham em dizer que aquele é o filho deles.

Na adolescência, Clark tenta viver a vida mais normal possível, seja saindo para beber com os amigos ou entrando de penetra no Iate de Bruce Wayne, fingindo ser o bilionário, mas além disso, Clark tenta fazer o bem pelos moradores de sua cidade, mesmo que isso signifique expor sua identidade e colocar sua vida em risco. Por mais que seus pais saibam que isso é um risco para o garoto, eles também sabem que as atitudes dele salvam vidas e se sentem orgulhosos com isso.

Nas palavras do próprio Landis, “as histórias de ‘Alienígena Americano’ são as histórias que o jornalista do Planeta Diário lhe contaria se você saísse para beber com ele”. Essa nova ótica do personagem, além de divertida, mais uma vez, mostra que os valores dele são imutáveis e que mesmo tentando se encaixar em nosso mundo ele ainda assim será um ser humano melhor.

Mesmo tendo valores que raramente encontraremos em nossa sociedade, ainda assim, Clark é um garoto criado no interior e que sabe que seus poderes não o tornam melhor do que ninguém. Além de sua força, visão de calor, supervelocidade e todos os demais atributos físicos, o Superman ainda é um exemplo de humildade, respeito e diplomacia, são esses valores que o humanizam e nos fazem ver além do homem musculoso de capa.

É claro, nem sempre veremos origens diferentes que respeitam os valores do personagem, como é o caso de “Injustiça“, série derivada da franquia de jogos de videogame. Nesse universo, vemos um Superman que abre mão de seus ideais quando o Coringa o faz assassinar Lois Lane. A partir dali, vemos o Superman se tornando um ditador e moldando o mundo a seu bel-prazer.

Em 2013, a Warner Bros. e o cineasta Zack Snyder também tentaram dar uma nova origem para o Superman. Depois do sucesso da trilogia de filmes do Batman de Christopher Nolan, o estúdio acreditava que o mesmo poderia ser feito com o Superman. Acontece que nessa tentativa de humanizar o Superman e mostrá-lo em um mundo mais realista, diversos valores e ideais do personagem se perderam.

No longa, vemos um Superman que cresce sem o apoio de seu pai (que até o aconselha a deixar que crianças morram afogadas em prol de manter sua identidade em segredo) e que, embora partilhe de algumas semelhanças com o Superman canônico, não parece partilhar do mesmo amor pela vida humana. No fim das contas, o herói acaba sendo retratado como uma divindade e, por certos momentos, coloca a si mesmo nesse pedestal.

Anos depois, vemos uma nova iteração desse Superman, no filme Batman vs Superman: A Origem da Justiça. Infelizmente, o filme reforça ainda mais o caráter distópico do herói, o aproximando mais da versão de Injustiça. Ali, vemos um Superman que afirma que, “Ninguém permanece bom neste mundo”, além de continuar sendo endeusado como uma divindade e não como um símbolo de esperança e altruísmo.

É claro, isso não seria um problema se a proposta fosse fazer uma adaptação direta de Injustiça, algo que parecia estar nos planos de Snyder, mas acontece que o cineasta e o estúdio não estavam em sintonia. Enquanto o diretor buscava mostrar um Superman que sucumbe aos horrores da humanidade e se torna um ditador, o estúdio queria iniciar um universo de filmes compartilhados dos super-heróis da DC.

Assim sendo, tivemos uma versão errática do herói nas telonas, que não possui uma identidade própria e não cria um laço de afetividade com o público. No fim da trama, vemos uma adaptação da história “A Morte do Superman”, um dos arcos mais famosos e controversos do herói nos quadrinhos, porém devemos levar em conta de que o Superman dos quadrinhos passou anos em atividade e criando laços com os leitores antes de sua morte, fazendo disso um evento extremamente impactante e marcante (mesmo tendo perdido sua força logo em seguida), algo que não conseguiu ser transmitido pelo herói dos cinemas.

Com isso, podemos concluir que é difícil criar identificação com o Superman quando se foge muito das raízes do personagem. É possível desconstruir o alienígena de Krypton e ainda assim fazer com que as pessoas enxerguem nele as características do super-herói, na verdade, essa é uma ideia genial, desde que bem-feita.

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