Videogames e Cinema: Sobre a Maldição das Adaptações!
Videogames e Cinema: Sobre a Maldição das Adaptações!
Tá difícil de acertarem…
Em Silent Hill 2, o jogo, Pyramid Head é um dos inimigos mais assustadores que existem. Seu visual é imponente, seus trejeitos são agressivos, e assim que ele aparece na tela a cabeça do jogador começa a rodar. Será que você tem a quantidade de munição ideal para lidar com a criatura? O ambiente é um espaço pequeno? Pra onde correr? A impotência que Silent Hill faz o jogador sentir ajuda a estabelecer uma atmosfera de medo e desespero, assim, quando você finalmente derrota o Pyramid Head, existe um sentimento de triunfo dentro de você; de obstáculo superado. Em Silent Hill: Revelação, o filme, Pyramid Head também aparece. Desta vez, ele é reduzido a um objeto de cena, uma criatura titânica que complica a jornada dos protagonistas. Dos protagonistas, não a sua. O problema do que fazer é todo deles.
Este é um dos principais entraves que assolam uma adaptação de videogames para o cinema, embora sejam ambas mídias visuais, e apesar dos games se beneficiarem de elementos cinematográficos, o contrário é difícil (pra não dizer impossível), de ser refletido nos filmes. Quando um game é concebido, a trama é apenas um dos elementos que compõem o todo, existem fatores como: gameplay, level design, sistemas de progressão que também dialogam com você, jogador, para refinar a experiência. Todos esses conceitos não são aplicáveis aos filmes justamente por serem uma mídia passiva, pois você é o espectador que vê as imagens passando, sobem créditos e fim. Jogos requerem que você seja a força motriz por trás do progresso, ou seja, as coisas dependem de você para acontecerem. A importância atribuída pela mídia dos jogos a você é algo impossível de encapsular em um filme.Por esse motivo, diálogo entre a mídia cinematográfica e a dos jogos eletrônicos vem sendo algo interessante de se observar.
Pense, por exemplo, em títulos da Nintendo. Eles são amplamente elogiados pois são videogames em uma forma extremamente pura, é tudo sobre as mecânicas de gameplay e como o jogador, tenha ele 8 ou 40 anos, pode se divertir ao máximo ao explorá-las. Raramente existem grandes setpieces cinematográficas ou jogos de câmera que visam enaltecer um diálogo intenso entre protagonista e vilão. É sobre o Mario pulando em coisas e as diferentes maneiras de tornar isso divertido, ou sobre triunfar uma fase complicada de Donkey Kong com uma trilha-sonora legal de fundo.
No outro lado deste espectro, temos Last of Us, um título reconhecido por seu apelo cinematográfico. Uma direção de câmeras, trilha-sonora e demais elementos característicos de um filme trabalham juntos aqui para engrandecer a experiência do jogador no controle de Joel e Ellie. Lembram das discussões quando o jogo foi lançado? Spoilers para Last of Us: A menina Ellie pode ser a cura da infecção que assolou o mundo, no entanto, o processo para extrair esse soro dela pode custar sua vida. Neste cenário, controlamos Joel para salvá-la, exterminando diversos médicos no processo. No desfecho, o mundo continua um caos às custas da felicidade de Joel e Ellie. Muita gente teve um problema com essa conclusão do game, e foi provavelmente por se sentirem cúmplices de Joel, pois foi você quem navegou aquele personagem por situações intensas, mas foi ele, sem perguntar nada para você, quem decidiu o destino daquele universo. Se Last of Us fosse apenas um filme, provavelmente teria sido mais fácil para todo mundo encarar a decisão do personagem, justamente pela natureza passiva da mídia, e você só assistiu. Aqui, existe um detrimento da liberdade e intimidade proporcionadas pela jogabilidade em colisão com a linearidade cinematográfica da trama.
Claro que no quesito de uma adaptação, assim como dos livros para os cinemas, muitas coisas precisam ser podadas do material fonte para que ele funcione nas telonas, é algo natural quando falamos em adaptar. Nos jogos, temos aspectos como personagens, construção de mundo e tramas que podem muito bem ser condensados em um roteiro que funcione nas telonas. Mas por que não acertaram nisso até agora?
Vamos lá, você pode até gostar de adaptações de games por motivos nostálgicos, ou por se divertir genuinamente com elas, e está tudo bem nisso. No entanto, é inegável que não existe sequer um expoente máximo deste gênero, algo que realmente cativou as audiências e se tornou uma espécie de marco, um clássico. Pelo contrário, as adaptações de games conquistaram o estigma de serem intragáveis como os exemplares: Street Fighter, Doom e Mario Bros, projetos assumidamente difíceis de se assistir. E o problema disso tudo talvez seja que a história é meramente um dos aspectos que compõem um videogame, então é necessário um capricho ímpar ao adaptá-la.
Tivemos um filme de Assassins Creed recentemente, fadado ao esquecimento por ser insosso e sem vida. Nos games, a trama de Assassins Creed diz respeito a um embate antigo entre Assassinos e Templários atrás de objetos que podem desencadear o fim do mundo. É um pouco bobo, pra ser sincero. A diversão está em visitar e pular entre as estruturas de civilizações antigas, está em combater inimigos com estilo, em conhecer representações inusitadas de figuras históricas que realmente existiram (essa última parte até que é bem adaptável). Você provavelmente ama Assassins Creed mais por seus aspectos lúdicos do que narrativos. Não que a trama do jogo não tenha lá seus momentos de brilhantismo, mas vamos lá, estes momentos teriam o mesmo impacto se você não tivesse o elo de cumplicidade com o personagem, de você estar guiando-o em uma jornada ativamente inserindo comandos no controle do seu console?
Resident Evil é um exemplo interessante, pois algumas pessoas agem como se os aspectos de filme B das adaptações fossem algo condenável, como se as raízes de Resident Evil não estivessem fincadas no solo da galhofa. Resident Evil nunca foi horror em sua forma mais pura, sempre existiu um quê de bobeira B ali que só foi se intensificando com o passar dos anos. Como você adapta algo assim, que flerta com momentos de horror e comédia involuntária? Existe um filme aí nesse conceito, mas não sei se quero ver alguém tentar criá-lo, (embora já tenham tentado)pois os jogos conseguem fazer isso com uma perfeição gloriosa.
Chegamos no meu ponto aqui. Por mim, podiam deixar de lado esse negócio de adaptação de videogames. Lembra que tivemos um filme de Tomb Raider recentemente? Pois é. Eu, particularmente, acredito que a experiência proporcionada por um jogo é extremamente restrita àquela mídia, e que se você jogou, já experimentou aquela história, aquela experiência, em sua forma mais honesta. Não que não possa sair uma boa adaptação dali, talvez um dia tenhamos um grande filme de videogames, talvez ele seja Uncharted ou Metal Gear Solid, tomara que sejam bons filmes. Mas eu não faço questão que eles existam.
Vamos falar sobre Metal Gear Solid, uma franquia conhecida por flertar com elementos cinematográficos. Como você traduz a catarse de um momento como uma luta contra Psycho Mantis para a tela? MGS possui uma ênfase cinematográfica, sim, mas é o que faz em termos de mecânicas, em tratar a mídia em que está inserido como um verdadeiro parque de diversões para surpreender o jogador, que faz a franquia funcionar tão bem a ponto de ser considerada revolucionária. E não vamos mentir. A história de Metal Gear Solid conta com momentos extremamente bobos que, embora sejam engraçados no contexto do game, são extremamente complicados de traduzir para os filmes.
Confio no potencial do diretor Jordan Vogt-Roberts, que será responsável por adaptar Metal Gear Solid para os cinemas. Espero que ele tente condensar os aspectos mais malucos de MGS em seu filme, o contraste entre a seriedade da trama, envolvendo políticas internacionais, armas nucleares e tráfico de humanos com o humor de um Raiden dando cambalhotas pelado em uma facilidade marítima sob ameaça de terroristas. Momentos lineares da trama à parte, sei que é impossível de adaptar meus momentos particulares de experiência no game com precisão para um filme, justamente por eles serem meus.
Como você transpõem o sentimento de descoberta de um Witcher 3 ou Skyrim em uma projeção de imagens que dura cerca de duas horas? Não dá, e está tudo bem nisso. Seguimos na esperança de que consigam fazer algo de bom com a história dos videogames em termos de adaptação. Enquanto isso, o fracasso em adaptá-los mostra o quão preciosos eles são como uma mídia própria e como toda a atenção que este veículo vem ganhando nos últimos tempos não é algo à toa se o cinema procura alternativas em se reinventar, é por estar limitado a sua relação passiva com o espectador. Sinto que os jogos eletrônicos ainda mal começaram a brincar com suas possibilidades de imersão com a gente, e que por precisarem que você, leitor, seja uma força vital para o andamento da trama e desenvolvimento do mundo, contam com ferramentas narrativas ainda mais poderosas do que as de um filme para nos surpreenderem, e o melhor de tudo, ainda estão experimentando com elas, descobrindo-as.
Que venham os filmes de Uncharted e Metal Gear Solid, mas sinceramente, estou mais empolgado para o próximo game de Uncharted (se é que vai ter um) Last of Us II e que surpresas Hideo Kojima (criador de Metal Gear Solid) reserva pra gente na loucura que parece ser Death Stranding. Se amanhã fosse decretado que adaptações de games estão proibidas por algum motivo maluco, eu não perderia meu sono.
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