O Estranho Mundo de Zé do Caixão!
O Estranho Mundo de Zé do Caixão!
Um dos maiores criadores do horror mundial… direto do Brasil!
Ele pode ter nascido José Mojica Marins, mas seu império se consolidou com seu alter-ego sombrio: o Zé do Caixão. Um dos maiores nomes do cinema nacional, ele foi um dos pioneiros a trazer o horror para as terras tupiniquins, criando um personagem e filmes que receberiam reconhecimento e prestígio internacional. E é por isso que, na semana do Dia das Bruxas, você vai conhecer um pouco mais de sua obra e seu legado!
Paulistano, nascido em março de 1963, Mojica foi filho de artistas circenses, o que já serviu como porta de entrada para sua vida em meio à arte. Quando seu pai se tornou gerente de um cinema, ele logo se apaixonou pela sétima arte, sendo criado praticamente dentro da sala escura, com as mais diversas projeções.
Autodidata, ele mesmo fez suas experiências malucas para se tornar uma grande lenda do cinema nacional. Aos 12 anos, ganhou sua primeira câmera e começou a produzir filmes caseiros. Um pouco mais velho, voltou sua paixão para o horror escatológico, para o sobrenatural e para o profano. Com apenas 17 anos, ele formou a Companhia Cinematográfica Atlas, junto com alguns amigos.
Em meados da década de 50, ele fundou sua própria escola de atores, onde tentava encontrar recrutas para seus filmes de horror. Com vários experimentos inusitados, ele tentava externalizar o medo de seus discípulos – geralmente atores amadores, que ainda não tinham grande experiência com atuação cinematográfica.
Quando migrou para o cinema mais “comercial”, ele começou lançando produções bem populares, como A Sina do Aventureiro, onde também demonstrou uma grande afinidade com o faroeste, “abrasileirando” o gênero para que pudesse dialogar com as mais diversas regiões, desde o norte-nordeste ao sul.
Contudo, seu estouro veio mesmo em 1964, com o lançamento de À Meia-Noite Levarei sua Alma. O primeiro filme de sua trilogia profana, e a estreia do Zé do Caixão, personagem que ele havia criado no ano anterior, após ter tido um pesadelo com um vulto o arrastando até um cemitério, para dentro de sua própria lápide.
Descrito como um “é um homem sem crenças, não acredita em Deus nem no Diabo, só acredita nele mesmo, acha que é o único que pode fazer justiça” e cujo maior desejo é dar continuidade à sua linhagem imunda e maldita, o personagem é, basicamente, um agente funerário que está disposto a matar todos em seu caminho para conseguir cumprir sua tarefa profana.
Curiosamente, Mojica só encarnou na pele de Zé do Caixão porque não achou nenhum ator que poderia se encaixar no personagem. Ali nascia a figura clássica e amedrontadora: unhas grandes, uma cartola, barba e cabelos desgrenhados, uma icônica capa preta, amuletos místicos. Ali estava o pesadelo de uma nação.
Aos poucos, o Zé do Caixão se tornou um ícone do horror. E se o Brasil ainda dava as costas para esse mestre, a Europa o abraçou, de forma que muitos dos filmes do personagem ganharam destaque em mostras e festivais. Em 1967, ele lançaria a primeira continuação de À Meia-Noite Levarei sua Alma, intitulado Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver.
A partir disso, a popularidade de seu personagem só disparou, de modo que Mojica passou a ser conhecido mais como Zé do Caixão do que pelo seu próprio nome de batismo. De lá para cá, o cineasta dirigiu e estrelou diversos filmes de horror, e mesmo que a conclusão de sua trilogia só tenha saído em 2008, com Encarnação do Demônio, o seu personagem figurou e protagonizou dezenas de longas intermediários, que teoricamente fazem parte desse “universo maldito”.
Mais recentemente, o personagem chegou a ganhar uma série de TV no Canal Brasil, intitulada O Estranho Mundo de Zé do Caixão – título que é digno a essa homenagem a esse grande mestre. Tratava-se de um programa de entrevistas, onde o autor conversava com algumas celebridades e inclusive respondia perguntas do público a respeito do mundo paranormal.
Sua última grande contribuição para o cinema se deu em 2015, ao produzir e dirigir um segmento de As Fábulas Negras, filme que transforma o folclore nacional em contos de horror. Mais uma vez, ele voltou às raízes do nacionalismo, contando uma história assustadora envolvendo ninguém menos que o Saci.
Há alguns anos, Mojica decidiu entrar em reclusão, para que pudesse ter um pouco de paz após alguns problemas de saúde. Desde então, não tivemos mais nenhuma aparição pública do Zé do Caixão, e é provável que ele não retorne às telonas, embora diversas homenagens sejam feitas ao cineasta com frequência – destaque para a biografia Zé do Caixão, onde o mestre foi interpretado por Matheus Nachtergaele.
Mas afinal, por que falar de Zé do Caixão? É uma história longa e particular, mas que tentarei resumir ao máximo aqui. Sempre ouvi falar de Zé do Caixão, desde cedo. Meu pai, certa vez, havia comprado uma revista de cinema – que foi basicamente como eu me alfabetizei – que, por acaso, tinha uma matéria especial a respeito do mestre.
Como uma criança muito medrosa e impressionável, eu tinha uma completa repulsa por qualquer coisa que tangenciasse o horror. Então, deixei aquela revista de lado, e nem sequer ousava abrir as páginas que contavam um pouco da história de Josefel Zanatas – que, para caso você não saiba, é o nome “real” do personagem.
Meu segundo grande encontro se deu em meu primeiro ano de faculdade. Em um trabalho sobre cinema brasileiro, já livre das amarras e da aversão ao horror, decidi ir atrás do histórico e da importância de Zé do Caixão para o cinema de gênero nacional. E isso me rendeu um excelente artigo, perdido entre tantos outros trabalhos acadêmicos.
Ao assistir À Meia-Noite Levarei sua Alma, tive um misto de encantamento e repulsa. O filme definitivamente toca em questões sensíveis e faz de tudo para causar a revolta do público – ao mesmo tempo em que se trata de um baita longa de horror, que incorpora regionalismos nacionais de uma forma similar ao que o giallo fez na Itália.
Desde que descobri que o horror é meu lar, e que provavelmente, a maior parte da minha produção cinematográfica será voltada ao gênero, tomei Zé do Caixão como um pai – um guia dentro das encruzilhadas mais sombrias. O que Mojica fez em sua época, produzindo filmes de baixíssimo orçamento e qualidade impressionante, me serve de inspiração para continuar a buscar o que há de mais profano na sétima arte.
E mais do que isso, ele é um exemplo de resistência, um dos pioneiros a trazer questões políticas e sociais para o horror, usando seus filmes como crítica ao autoritarismo do regime militar da época – por mais que boa parte de sua obra acabasse sendo picotada nas salas de censura do governo.
Entre essas e outras, acabei debruçando sobre toda a obra filmográfica de Mojica/Zé, o que só mostrou como essa figura espectral tem uma importância que, infelizmente, muitos não conhecem, seja por falta de contato com sua obra ou por puro preconceito com o cinema nacional. E isso é triste.
Sua contribuição não apenas para o cinema, mas também para o imaginário e o folclore moderno do Brasil, é sem tamanho. E se o povo norte-americano tem figuras tenebrosas para cultuar, como Freddy Krueger e Jason Voorhees, nós definitivamente também temos nosso ícone do horror no homem assustador e maldito, com sua capa preta e suas unhas afiadas como navalhas.
Zé do Caixão mostrou suas garras, dominando não apenas o Brasil, mas também o mundo. É um ícone do nosso cinema – e é o nome mais importante dentro do horror nacional. É um mestre das trevas – que, curiosamente, foi a luz necessária para trazer um gênero que é, ao mesmo tempo, tão controverso e tão amado.
Quanto ao homem por baixo do personagem, Mojica é simplesmente um gênio. E ele pode não estar mais vindo à público. Mas certamente, o público vai até ele, com tantas demonstrações de amor e respeito ao cineasta que nos mostrou que, mesmo com pouco dinheiro ou recursos, ainda somos capazes de assustar muito.
Na galeria abaixo, você pode conferir alguns cartazes das principais obras do cineasta: