O dia em que percebi que quadrinhos de super-heróis não eram mais para mim!

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O dia em que percebi que quadrinhos de super-heróis não eram mais para mim!

Por Gus Fiaux

O ano é 2018. A cultura geek extrapolou o universo pop de uma maneira tão massiva, de modo que das cinco maiores bilheterias mundiais do ano, quatro são filmes de super-heróis. O domínio hegemônico de indústrias como Marvel e a DC Comics passou a se estender de uma forma bem mais abrangente, atingindo não apenas os cinemas, mas também os games, a televisão e até mesmo a forma como as empresas pensam o marketing ao nosso redor.

E ainda assim, é a época em que percebo que histórias em quadrinhos já não são mais para mim.

Calma! Eu sei que isso de início pode parecer alarmista e assustador e até levantar algumas bandeiras peculiares – afinal de contas, como posso não gostar mais de HQs e trabalhar em um site que lida em grande escala com isso?

Mas bem, antes de pular para as conclusões, vamos apenas a um histórico básico:

Comecei a ler quadrinhos ativamente desde meus seis anos de idade. Atualmente estou com 20, o que totaliza 14 anos dedicados à nona arte. Meu primeiro contato com os quadrinhos, como (quase) toda criança brasileira veio através da Turma da Mônica, do Mauricio de Sousa. Havia algo não apenas nas histórias, mas principalmente na forma que elas eram contadas, que me agradava de uma maneira incompreensível.

Sempre fui um grande amante de arte visual. Não é à toa que trabalho atualmente com cinema, onde posso combinar a beleza estética captada pelos olhos ao prazer sonoro. Mas desde cedo, sempre me encantei por representações visuais. Um dos sonhos de criança era poder conhecer museus famosos, apenas para me deparar com pinturas que sempre estiveram presentes nos livros didáticos – e que por algum motivo, sempre achei que seriam ainda mais belas “ao vivo”.

Nos quadrinhos, via – ainda que inconscientemente, na época – uma expressão que sabia usar da arte visual para contar narrativas completas, desde as histórias mais longas às tirinhas de três quadros que encontramos em jornais até hoje.

Por isso, nem demorou muito tempo até entrar em contato com os super-heróis. Por volta dos meus oito anos, descobri algumas revistas do Incrível Hulk do meu pai, guardadas cuidadosamente em uma pasta, esquecida pelo tempo. Junto com elas, algumas histórias dos X-Men, que logo se tornaram meu grupo favorito.

E a partir daí, me tornei não apenas fascinado pelo mundo heroico, mas também um colecionador frenético. Para que você tenha uma ideia, da última vez que chequei meu “acervo”, já tinha cerca de duas mil histórias em quadrinhos – e isso apenas da Marvel, que realmente colecionava com certa frequência, embora também tivesse algumas dezenas de gibis da DC Comics.

Quadrinhos foram um aspecto fundamental da minha formação como leitor e como pessoa. Quando não estava desgraçado da cabeça lendo algum livro novo de Harry Potter, estava desesperado para saber o que aconteceria na próxima edição da Liga da Justiça; ansioso para saber se os Vingadores conseguiriam superar a Guerra Civil; triste em ver os X-Men sendo cada vez mais perseguidos e odiados; e animado por me reconhecer entre os Jovens Vingadores.

Devo dizer que acompanhei HQs por um período muito importante da minha vida. Conheço e gosto de boa parte das histórias da Marvel entre 2000 e 2015, adorava toda a linha da DC Comics antes dos Novos 52, que infelizmente não me cativaram e me forçaram a largar a fidelidade com a editora.

E não pense que vivi apenas esse “presente”. Logo estava debruçado procurando todos os grandes clássicos do passado, desde Desafio Infinito à Crise nas Infinitas Terras. Minha coleção e meu “repertório” foi só aumentando, me ajudando inclusive a conhecer um pouco mais da história mundial e de outros assuntos que normalmente as pessoas nem sequer captam ao ler um gibi de vinte anos atrás.

E isso também me ajudou em minha vida social e profissional. Não fossem os gibis do Hulk, provavelmente não ficaria extremamente animado para assistir Os Vingadores e não teria entrado em um grupo pequeno e recém-formado no Facebook, apenas para discutir coisas nerds. Com o tempo, esse grupo (e a página que o precedia) cresceriam e se tornariam a Legião dos Heróis, meu primeiro emprego fixo – e um que nutro com carinho até hoje.

O que quero dizer com todo esse lenga-lenga é que as HQs de super-heróis sempre estiveram intimamente ligadas com meu processo de formação.

Mas aí a gente cresce.

Nos últimos anos, tenho acompanhado Marvel e DC, sobretudo, com uma distante curiosidade. Os últimos anos foram marcados por polêmicas e controvérsias. E aqui, deixo claro que farei um recorte referente principalmente à Casa das Ideias, considerando que foi a “franquia” que mais acompanhei – mas não se desesperem, DCnautas. Ainda falarei sobre a editora mais para frente.

Em 2012, o lar do Homem-Aranha, Vingadores e X-Men acabou lançando uma nova iniciativa editorial para concorrer com os Novos 52 da DC. Nascia assim a Nova Marvel, uma fase onde os quadrinhos decidiram se atualizar para um público mais “moderno”. E aí começou algo estranho. Embora fãs saudosistas sempre estivessem presentes, reclamando sobre “como o passado foi melhor”, foi a partir daqui que vimos muitas pessoas se revoltando na internet contra algumas mudanças traçadas pela editora.

E nem falo em termo de mais personagens femininas em destaque ou pela tentativa da Marvel de apresentar mais um viés de sexualidade, etnia, classe social ou até mesmo origem. Qualquer mudança da editora começou a ser contestada pelos fãs. Porém, como polêmica vende, os títulos passaram a ser mais lucrativos do que nunca. Em poucos anos, sairiam as Guerras Secretas, que humildemente julgo a melhor mega-saga da editora nos últimos vinte anos.

Ainda assim, foi quando comecei a sentir um cansaço geral desse tipo de mídia. Parecia que as coisas nunca evoluíam e que o Homem-Aranha sempre precisava ser um pé-rapado sofrido, os X-Men nunca teriam outra narrativa além do preconceito, os heróis morriam e ressuscitavam em ciclos, apenas para voltar a ser o que sempre eram. E percebi o quanto já não estava mais interessado.

Veio uma nova fase… A Totalmente Nova e Diferente Marvel, cada vez mais polêmica e controversa. Logo surgiram personagens para assumir o legado de outros, como Jane Foster como Thor, a Kamala Khan como Miss Marvel. A Riri Williams como Coração de Ferro, substituindo o Homem de Ferro. E foi aí que finalmente vi a possibilidade de uma quebra no status quo e uma mudança positiva em prol de um futuro inovador.

Mas bem. Pressão na internet está aí e vocês sabem como funciona. Aos poucos, a Marvel cedeu. E logo, o Wolverine retornou dos mortos, Tony Stark saiu do coma para retornar ao manto do Homem de Ferro, o Hulk também reviveu, todos os personagens “legado” foram jogados para escanteio e, mais uma vez, voltamos ao ciclo de repetição onde as coisas vêm e vão e não há um desenvolvimento duradouro.

Faço uma pausa aqui para dizer: sei que muitos de vocês devem estar pensando “nossa, que moleque chato. Millennial de merda que se preocupa demais com representatividade. Não tem nada errado em querer as coisas como eram antes.” E já digo de antemão que concordo completamente com as duas primeiras sentenças e parcialmente com a terceira.

Mas o ponto aqui não é esse. Não parei de ler HQs porque a Marvel decidiu jogar tudo para o alto e ignorar o avanço que deu em relação a personagens femininas, negros, LGBT e de outros grupos étnicos e culturais. Parei de ler HQs porque não há avanço.

As histórias empacaram de uma forma que nada evolui e que desde que nasci até quando morrer, os personagens continuarão sendo a mesma coisa, sem nenhum desenvolvimento concreto. Até mesmo heróis mais “adultos”, que deveriam pertencer a um público alvo mais ávido às mudanças, não saem do lugar. Basta observar o Justiceiro ou o Constantine.

Não é à toa que os fãs estejam elogiando totalmente o Renascimento da DC Comics: ele entrega os personagens como eles sempre foram, com uma ou outra diferença aqui e ali. E ainda assim, há que chie ao som de qualquer mudança que pode parecer radical demais. Basta pensar no hate gerado pelos fãs durante todo o arco do casamento do Batman com a Mulher-Gato.

É incrível pensar que, por exemplo, o Homem-Aranha foi criado em 1962 e cinquenta e seis anos depois disso, a Marvel continua a tratar Peter Parker da mesma forma que ele era tratado na década de 60 – apenas atualizando os temas e elementos de suas histórias para que tenham uma roupagem condizente com a atualidade.

E nem adianta dizer: “ah, mas eles vão restaurar o casamento dele com a Mary Jane” – que por sinal, foi o maior passo já dado na evolução do personagem –, quando todos nós sabemos que, dentro de dez anos ou até menos, ele já estará separado de novo e voltando a ser o pé-rapado infeliz de sempre.

Contudo, aqui vai o mais chocante: está tudo bem com isso.

E por quê? Porque sei que, exatamente nesse momento, pode ter alguém por aí lendo um quadrinho empoeirado que descobriu nos pertences do pai e em breve se tornará um grande fã de super-heróis. Alguém que vai usar essa paixão pelos gibis para criar mais amigos, que logo vai se envolver com personagens da Marvel, DC e até mesmo outras editoras.

Alguém que vai com afinco nos cinemas ver os filmes de seus heróis favoritos e que pode até acabar ganhando um emprego em um site de quadrinhos e cultura geek. E principalmente, alguém que vai gastar dez, quinze anos de sua vida aproveitando as mesmíssimas histórias que são publicadas agora, se maravilhando com o quanto elas são originais ou inspiradoras.

Talvez essa pessoa se desencante depois de algum tempo – como estou desencantado agora, como (tenho certeza) centenas de pessoas já se desencantaram antes. Ainda assim, isso não vai mudar o seu carinho e respeito por essas histórias, principalmente se essa pessoa perceber que outros leitores virão e vão aproveitar desse legado.

E é por isso que me recuso a ser um fã saudosista, que vai passar o resto da vida falando mal de todos os quadrinhos que vejo pela frente, sem nem mesmo gostar ou ler mais. Entendo que minha época passou – o que também não impede que, em algum momento, me desperte o interesse por algum título específico ou até mesmo leia uma fase nova no futuro.

Sem contar que, quando falamos de quadrinhos, os super-heróis são apenas uma fatia do bolo. Se a Marvel e a DC não são mais a sua praia, posso te garantir que você será acolhido por algo da Image, da Vertigo e da Boom Comics, ou até mesmo algumas HQs europeias, produtos nacionais e, quem sabe, mangás. As opções são vastas e é tão melhor contemplar o futuro com novos olhos e deixar o passado atrás, apenas com as memórias boas, do que ficar relutando e desejando que o que foi volte a todo custo.

Definitivamente, quadrinhos de super-heróis não são mais para mim. E estou absolutamente tranquilo quanto a isso.

 

Aproveitando o assunto, você pode inclusive conferir na lista abaixo algumas HQs incríveis que não são sobre super-heróis: