Nem todo filme que gostamos é um filme bom…
Nem todo filme que gostamos é um filme bom…
… e está tudo bem!
O cinema, assim como várias mídias, é uma forma de arte muito presente na minha vida. E, se você acessa um site como a Legião dos Heróis, é muito provável que também esteja bem presente na sua. Desde suas origens – acompanhado de perto pelo surgimento da crítica especializada – os filmes abrem margem para diversas interpretações e interesse do público…
Todos gostamos de ver filmes. Esse momento especial, onde sentamos durante duas horas em frente a uma tela, e absorvemos uma história que pode tanto servir para o mais puro escapismo quanto para reflexões profundas da nossa própria vida, serve para nos conectar com nossa própria humanidade e a delicadeza que a arte traz para nossa vida.
E é por isso que a internet, especialmente após a descoberta em massa de sites como o Rotten Tomatoes e outros portais de críticos, se tornou um local inabitável e insuportável – de todos os lados possíveis.
Não é raro ver por aí pessoas se ofendendo com facilidade quando alguém critica algum filme com base em argumentos críticos. Todos nós sobrevivemos à experiências colossais como Batman vs Superman: A Origem da Justiça e Star Wars: Os Últimos Jedi, que vieram para (mesmo que em níveis diferentes) dividir o mundo entre quem gosta e defende a ferro e fogo e quem não gosta e faz tudo a seu alcance para espalhar hate. Mas infelizmente, o bom senso acabou sendo esquecido no churrasco.
Antes de qualquer coisa, é importante denotar o papel e a necessidade dos críticos de cinema: em primeiro lugar – ao menos em um ambiente comercial ,– temos a questão mais óbvia que é justamente a publicitária. O crítico, seja julgando algo como bom ou ruim, faz parte do ciclo de divulgação de um filme, ajudando os estúdios a promover seus produtos para um público específico.
Além disso, o crítico também serve como um parâmetro para que o público decida em qual produção deve investir. Isso não significa que as pessoas não possam ver os filmes que são negativados, apenas nos lembra que cinema é um gasto de dinheiro e de tempo, e que alguns filmes não são tão urgentes a ponto de vermos no cinema. Podemos esperar, talvez, pelo Blu-Ray ou até pela exibição televisiva.
Por fim, e mais importante, há a questão de análise técnica e artística, baseada em um repertório cultural adquirido por cada crítico. É uma opinião que deve ser sim levada em consideração, afinal de contas, o crítico estuda durante anos e, principalmente, assiste uma gigantesca variedade de filmes, o que lhe ajuda a ter ciência e entendimento de práticas e recursos cinematográficos que funcionam e outros que não são tão bem-sucedidos.
Ainda que essa seja uma ciência mais “exata”, vale lembrar que os críticos têm experiências diferentes, e por conta disso, nem toda opinião é unânime. Alguns podem realmente amar Transformers: O Último Cavaleiro, enquanto boa parte odeia o filme com todas as suas forças.
E, se esse é o caso, como definir se um filme é bom ou ruim? A resposta é: consenso da maioria.
Mas é aqui que as coisas começam a se complicar, já que, na era do anonimato e da ira desmedida da internet, se você não gosta, por exemplo, do filme favorito de alguém, essa pessoa pode achar que você está ofendendo toda a família dela.
Todos nós já passamos por esse tipo de experiência, quando declaramos que não gostamos de um filme. Se for um longa adorado pelo público, então, pior ainda, pois parece que estamos propondo um genocídio em massa – quando, na verdade, só não tivemos o mesmo interesse e não apreciamos o resultado final.
E é justamente aqui que entro com a proposta: nem todo filme que nós gostamos é um filme bom.
E, mais uma vez, não há nada de errado com isso. Precisamos aprender a disassociar dois elementos completamente distintos: gosto pessoal e qualidade geral. Quando falamos de gosto, estamos falando de algo que toca em nossas sensibilidades individuais, e isso traz um aspecto que, conforme nossas emoções, sentimentos, vivências e experiências, nos ressoa de alguma forma. Mas isso não significa que o filme seja tecnicamente ou artisticamente bom.
Qualidade é um traço definido, principalmente na área da expressão artística, por alguns elementos particulares, como comparação, proposta e execução. Quando falo de comparação, quero dizer que os críticos costumam se basear em traçar paralelos entre os diversos filmes de seu repertório, para analisar o que – e como – funciona em um, e por que, por exemplo, não funciona em outro.
Já a proposta é uma definição bem mais simples. Cada filme possui uma proposta e uma entrega. Isso significa que, por exemplo, alguns filmes têm uma pretensão que pode ser bem executada. Contudo, a mesma execução pode funcionar de forma desastrosa para um filme com intenções diferentes.
Para exemplificar esse último conceito, vamos voltar para a pintura. Se Pablo Picasso tivesse a pretensão de expor seus trabalhos como uma obra realista, ele estaria falhando totalmente. Contudo, sua arte encaixa muito bem no conceito cubista, e por isso, não é considerada uma arte ruim, pois atende à sua proposta com fidelidade.
Agora, pulando o lenga lenga técnico, nós precisamos falar sobre como a internet não consegue disassociar gosto de qualidade. Todos os anos, temos vários filmes que são extremamente mal-recebidos pela crítica, o que gera nas pessoas um choque e um sentimento de revolta, quando na verdade, nada está sendo propriamente atacado, mas sim ponderado.
Quando a crítica entra em consenso para dizer, por exemplo, que Esquadrão Suicida é um filme ruim, ela não quer acusar as pessoas que gostaram do longa. Com isso, apenas quer se dizer que o filme, dentro de sua proposta, não apresentou uma execução boa, principalmente se compararmos com outros filmes do mesmo gênero ou que têm histórias similares.
Ainda assim, muitos de vocês continuam, dia após dia, com uma revolta generalizada em cima da crítica, com comentários demonizando ou menosprezando a profissão – que aliás, precisa ser notado, é uma profissão como qualquer outra. Você não menospreza a opinião de um engenheiro, por exemplo, quando ele afirma que uma construção está condenada. Por mais que análise artística não seja uma arte tão exata – e também esteja livre para contestação –, por que você não respeita da mesma forma alguém que dedicou anos de sua vida para esse tipo de emprego?
Faz parte da psiquê humana não ter uma única ideia concreta e definida. E a arte é a prova exata disso. Músicas, pinturas, esculturas, narrativas e produções audiovisuais têm efeitos distintos no público. Você tem total direito de achar, por exemplo, a cena da Martha em Batman vs Superman tocante, inteligente e humanizante, assim como eu e muitos outros têm o total direito de achá-la apenas ridícula. Mas isso não significa que eu precise te atacar ou que você precise difamar e diminuir minhas ideias e opiniões. Ao mesmo tempo, do ponto de vista técnico, realmente não é uma cena boa.
Vale mencionar também que o contrário é totalmente válido: nem todo filme que você não gosta é um filme ruim. Eu, por exemplo, deixo bem claro que não consigo, de forma alguma, me conectar ou ter a mesma experiência que as outras pessoas têm ao ver O Poderoso Chefão. Ainda assim, reconheço que é um dos melhores filmes de todos os tempos e que sua influência é muito importante para a história do cinema.
Em suma, o que preciso deixar claro aqui é que o público e os críticos não precisam andar com ódio mortal uns dos outros. Da mesma forma que precisamos entender e respeitar opiniões diferentes no mundo real, desde religião, política, sexualidade, esporte e diversos outros aspectos, discurso de ódio deve ser banido igualmente, inclusive no campo artístico.
Então, da próxima vez que ver alguém falando de um filme que você gosta, mas que é tecnicamente ruim, tente se lembrar que isso não é um ataque pessoal. É uma análise individual e particular, que é embasada por um estudo e um repertório de cada um.
Se você parar para pensar nisso, a internet automaticamente vira um lugar bem menos insuportável e mais habitável.
Aproveitando o assunto, vamos lembrar de alguns filmes… não tão bons assim, mas que todos nós amamos!