Demolidor – A sensibilidade em A Queda de Murdock!
Demolidor – A sensibilidade em A Queda de Murdock!
Sensibilidade nem sempre representa fraqueza, e vamos aprender isso com Frank Miller
Demolidor é um personagem clássico dos quadrinhos, sua primeira edição foi lançada em 1964, no entanto a hq não teve uma boa recepção do público até a entrada de Frank Miller como escritor. Miller começou em demolidor sendo o desenhista e trabalhando com os roteiros de Roger McKenzie, no entanto a revista estava indo de mal a pior e quase sendo cancelada, com a troca de McKenzie por Miller a hq em três edições conseguiu subir suas vendas e voltar ao lançamento mensal.
Por trás da roupa do Demolidor existe Matthew Michael Murdock, uma das grandes características do personagem é sua cegueira, porém ele não nasceu assim, durante um evento na sua infância o herói salva um idoso de ser atropelado por um caminhão, contudo acabou sendo atingido por material radioativo que estava sendo transportado. Murdock perdeu a visão, em contrapartida desenvolveu um aprimoramento de todos os seus outros sentidos, além de passar a ter um tipo de sonar.
O personagem já teve diversas edições muito aclamadas pela crítica, porém nenhuma foi tão bem sucedida como A Queda de Murdock. Uma das grandes genialidades desse arco é o quanto Miller consegue fazer o leitor se ver incluído naquela história, são problemas críveis, que afetariam uma pessoa de verdade. As situações apresentadas na história independem da “profissão” herói, fugindo completamente de fraquezas mais fantasiosas como a kryptonita do Super-Homem.
Muitos dos acertos que envolvem esse arco é a sensibilidade de Miller ao fugir do clichê, mesmo apresentando personagens e situações extremamente estereotipadas e já esvaziadas de sentido em suas representações. Um exemplo disso é logo no início do arco, vemos a ex-namorada do herói, Karen Page, vendendo sua identidade secreta, por uma mísero pico na veia, nada tão real e pé no chão do que um viciado que faz qualquer coisa pelo seu vício.
Seria muito fácil apresentar isso com uma Karen enlouquecida, assaltando um banco, matando uma pessoa, que são coisas chocantes, são coisas grandes, no entanto existe um outro lado do exemplo de que um viciado faz qualquer coisa pelo seu vício. Exatamente pelo fato de que é uma dose pequena da droga e ela entrega algo muito maior, mostrando o quanto ela não consegue pensar, nem para ver o tamanho do trunfo que ela tem em suas mãos. E principalmente trair uma pessoa querida, o vício tira toda a lucidez da pessoa, não precisa ser algo exacerbado, a simplicidade das situações é o que da sua veracidade e peso.
A arte de David Mazzucchelli também é importantíssima para conseguir entregar toda essa narrativa formada por Miller, a abertura de cada capítulo representa de maneira muito sutil o estado psicológico de Matt. Temos os capítulos Apocalipse, Purgatório e Pária, onde em todos o personagem começa deitado em uma cama, mas a forma que ele se encontra elucida muito bem como ele está por dentro, é quase como um espelho da alma de Murdock.
Existe uma forte metáfora religiosa tanto nos títulos como em algumas artes, no capítulo Renascido temos o herói novamente em uma cama, dessa vez não é a sua cama e sim a de um convento. O personagem está com os braços aberto, fazendo uma alusão a Jesus Cristo, que após todas as suas provas, foi morto, porém voltou renascido. Outra questão que podemos ver são os títulos dos capítulos Apocalipse e Purgatório, todos nomes muito comuns na literatura religiosa, o que dá para Murdock uma aura épica, um verdadeiro herói, com o sentido original e utilizado pelas tragédias gregas.
Todo o arco é uma reflexão da sociedade através da história de Matt, ele basicamente come o pão que o diabo amassou, e tem a escolha de desistir de tudo ou dar a volta por cima e vencer. E sim, ele pode fazer isso, mas toda a sociedade também teve essa chance, Matt é completamente destruído por influência do Rei do Crime, mas ninguém se movimentou para tentar parar isso, ele está ali como uma força natural e sem amarras morais.
No entanto Matt vai se afundando com a ajuda de muitas pessoas, o repórter que está buscando a história, mas tem medo de publicar. A ex-namorada viciada, que entrega qualquer coisa por uma dose da sua droga, seu melhor amigo que se afasta e o deixa completamente sozinho e desamparado. Todas essas situações influenciam e levam Matt quase a loucura, e tudo isso é um reflexo da sociedade, pois essas atitudes foram tomadas com uma motivação, sempre vivemos respondendo aos estímulos que nos são dados.
Com isso Miller e Mazzucchelli entregam uma história extremamente individual, mas que fala de um todo muito maior que é a sociedade, temos um personagem que serve para ser uma representação de até onde a miséria da sociedade vai, e no grande final do arco afirmar que mesmo que você vá contra tudo que está errado, tudo irá permanecer desse jeito. Contudo não é esse o motivo para você perder a esperança, como Matt que sendo excluído, perdendo tudo, ainda assim consegue dar a volta por cima e ter sua redenção.
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