Afinal, o que um reboot pode nos oferecer de novo?
Afinal, o que um reboot pode nos oferecer de novo?
A prova máxima da falta de criatividade em Hollywood pode trazer exemplos de criação infinita!
Você pode até tentar, mas não consegue fugir deles. Reboots e remakes estão invadindo os palcos – ou melhor, as telas – de Hollywood há um bom tempo, mas temos visto uma ascensão incontrolável desse tipo de filme nos últimos anos. Tudo que já fez um mínimo sucesso no passado merece ganhar um reboot: filmes de super-heróis, animações da Disney, longas obscuros de ficção científica e terror… nada escapa da onda comercial do cinema norte-americano.
Recentemente, nosso amigo Guilherme fez uma coluna – muito boa, por sinal – lembrando sobre como o viés comercial de Hollywood nos produziu vários filmes desnecessários nos últimos anos. Em sua coluna, ele toca em um ponto fundamental: a tendência suicida dos remakes e reboots, cada vez mais constantes no cinema Hollywoodiano. Como todo bom advogado do diabo, cá estou eu para defender (alguns) filmes dessa leva.
Meu questionamento por remakes veio graças a uma entrevista recente do diretor Luca Guadagnino – que você deve conhecer pelo aclamado Me Chame Pelo Seu Nome. O cineasta italiano está, atualmente, responsável pela reimaginação do clássico Suspiria, um terror setentista sobre bruxas.
Nessa entrevista – que você pode conferir, em inglês, aqui –, Luca é questionado sobre qual é o foco de sua adaptação de Suspiria. Em poucas palavras, ele disse que sua ideia não era reimaginar o clássico de Dario Argento, mas “reinvocar o sentimento que teve ao assistir a esse filme pela primeira vez”. E é aí que a mágica começa.
Antes de mais nada, é importante estabelecer as diferenças. Um remake, ao pé da letra, é refazer uma obra já existente. Há pouco espaço para mudança. Já o reboot é um reinício. Geralmente atrelado às franquias, esse termo significa que um diretor quer usar os mesmos personagens, temas e situações para dar um novo início a uma história que já foi contada. Aqui, as mudanças são bem-vindas e parte essencial da estrutura.
Se paramos para pensar no cinema Hollywoodiano como um todo, não é de hoje que temos esse tipo de movimento em um filme. Por exemplo, O Silêncio dos Inocentes é um reboot, já que a história de Hannibal Lecter já havia sido adaptada anteriormente, no esquecido Caçador de Assassinos, de 1986. Outros filmes, como Scarface, A Mosca e O Enigma de Outro Mundo já se provavam como exemplos excepcionais de como um remake pode melhorar uma obra já consagrada.
No entanto, nos últimos anos, Hollywood banalizou o termo. A cada filme novo, temos dois remakes sendo lançados simultaneamente, em uma máquina constante de reutilização, reaproveitamento e reciclagem de ideias. E nesse sentido, é importante pegar no pé da dona Disney.
O estúdio tem sido uma engrenagem fundamental na indústria dos remakes, principalmente agora que eles estão fazendo – em massa – reimaginações em live-action de suas clássicas animações. Filmes como Cinderela, A Bela e a Fera ou Mogli: O Menino Lobo não passam de versões carregadas de efeitos visuais da animação original – com pouquíssimas ou nenhuma mudança.
Já defendi anteriormente a onda de remakes da Disney – principalmente porque entendo o viés desse movimento enquanto modo de passar histórias clássicas adiante. Contudo, não podemos negar que esse tipo de filme soa repetitivo e uma simples forma de capitanear em cima de um lucro já garantido, quase reaproveitando o roteiro das animações de base.
No entanto, há casos em que esse tipo de história pode vir para subverter algo já estabelecido e incorporar elementos novos. Pegue, por exemplo, Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível, que serve mais como continuação das obras originais do que como reboot, ou até mesmo os criticados Malévola e Alice no País das Maravilhas, que acrescentam novas camadas e nos fazem observar essa história com outros olhos.
O filme com Angelina Jolie, para mim, é um pináculo de como os remakes deveriam funcionar. A Malévola sempre foi – convenhamos – a personagem mais interessante de A Bela Adormecida. No entanto, ela sempre teve um tratamento unidimensional e maniqueísta, quase como se não possuísse vida própria.
O longa em live-action, apesar de todos os seus nítidos erros e problemas, consegue não apenas capturar a essência de uma obra original, como também transformá-la, abrindo um novo lado da história que nós nunca sequer imaginamos – com direito a um fim diferente e surpreendente.
É justamente isso que Guadagnino planeja com seu novo Suspiria. Os elementos da história, os personagens e até mesmo a estrutura básica são idênticos aos do filme original. Mas aqui, o diretor mostra sua capacidade em criar algo novo, tecendo críticas sociais em relação à Alemanha da Guerra Fria e ao avanço patriarcal nos direitos das mulheres.
Some isso, e diminua todo o visual glorioso e excêntrico do filme de Dario Argento, e temos uma obra nova, metamorfoseada e diferente de tudo que nós já vimos no cinema. É quase como se Guadagnino tivesse criado um filme novo que coincidentemente possui o mesmo título e os mesmos personagens que o filme de Argento.
E é nesse ponto que um reboot se torna interessante: quando ele abre espaço para algo novo – para questionamentos maiores e tramas mais complexas. Há quem possa questionar: “Mas se a ideia é mudar o filme original, porque não fazer um filme independente?”
Veja bem, uma máxima universal já comprovada diversas vezes é: Nada se cria. Tudo se transforma. Você pode até reclamar da falta de ousadia e criatividade de Hollywood, mas isso está longe de ser uma consequência da contemporaneidade. Há muitos e muitos anos que temos adaptações, sequências e remakes. Eles só nunca foram tão populares porque, convenhamos, o cinema nunca foi tão popular quanto é na era da globalização.
Quando um cineasta consegue fazer algo novo com base em uma obra pré-existente, ele não está “deturpando” o material original, necessariamente. O que está sendo feito é uma releitura do conceito e da essência da obra, adaptada para um ambiente mais moderno.
Isso abre até brecha para falarmos em adaptações de livros e HQs – que os fãs insistem em exigir fidelidade máxima. Certo dia, por aqui mesmo, vi comentários tratando o filme de V de Vingança como uma “deturpação ideológica” da HQ de Alan Moore. E isso não é verdade. O filme é uma reapropriação dos mesmos conceitos, mas com crítica direcionada a outro lugar. Se a graphic novel era uma acusadora do governo de Margaret Thatcher no Reino Unido na década de 70, o filme já volta sua atenção para o perigo do governo de George W. Bush nos Estados Unidos, no início da década passada.
Mas discutir o conceito de adaptação é uma jornada para outra hora…
Em suma, um reboot vem para adicionar algo novo. É sua tarefa principal, e se não faz isso, não está fazendo certo. Para mim, o comparativo máximo é O Espetacular Homem-Aranha e Homem-Aranha: De Volta Para Casa. Embora ambos sejam inspirados na mesma fonte, eles são – inegavelmente –, reboots da trilogia de Sam Raimi à frente do Amigão da Vizinhança, e ambos funcionam de formas diferentes.
Enquanto O Espetacular Homem-Aranha traça algumas pequenas mudanças, mas reaproveita a estrutura, a ordem dos acontecimentos e até o mesmo tipo de vilão – cientista que fica maligno após usar um soro experimental em si próprio – do filme original de Raimi, De Volta ao Lar faz o caminho inverso, criando uma obra que já é essencialmente diferente – principalmente por, dessa vez, se encaixar no Universo Cinematográfico da Marvel.
Por conta disso, repense um pouco seus conceitos sobre reboots. Seriam eles mesmos esses demônios que estão acabando com todas as ideias originais de Hollywood? Ou seriam um respiro, uma forma de criar algo novo a partir do que essencialmente é um terreno fértil para novas ideias?
Abaixo, fique com imagens do novo Suspiria: