Punho de Ferro – Um amargo biscoito da sorte!
Punho de Ferro – Um amargo biscoito da sorte!
Quando Demolidor chegou à Netflix há dois anos, parecia o início de uma parceria de qualidade indiscutível entre o serviço de streaming e a Marvel. Agora, com Punho de Ferro, temos a desagradável e surpreendente certeza de que não é bem assim…
Depois de duas temporadas da série do Homem Sem Medo, além das séries individuais de Jessica Jones e Luke Cage, só restava esperar por Punho de Ferro, que viria para encerrar as quatro séries solo inicialmente planejadas antes da culminação desse “Universo Marvel na Netflix”, com Os Defensores.
Isso fez com que se criasse uma grande expectativa a respeito do que seria trazido à mesa para adaptar um dos heróis mais interessantes da Casa das Ideias em sua série própria. A cada anúncio de elenco, teaser, imagem promocional, trailers e entrevistas, ficava mais aparente a ideia de se trazer algo à altura do Imortal Punho de Ferro de K’un Lun. E é por isso que a decepção é tão mais impactante.
Do ponto de vista mais pessoal e passional possível, Danny Rand é um dos meus personagens favoritos. Mesmo com uma história “clichê”, é bonito ver como seus roteiristas souberam aplicar doses de aventura, ação e até mesmo misticismo em suas histórias, criando um herói humanizado, mas sem deixar de lado elementos que o tornam cativante e “escapista” o bastante. Afinal de contas, quem nunca quis ser um grande artista marcial treinado em uma cidade misteriosa que aparece a cada década na Terra?
Desde o anúncio, fiquei obcecado com as possibilidades que poderiam ser trazidas para o herói em uma série. Grandes arcos como O Desafio das Sete Cidades Celestiais poderiam ser adaptados, mesmo que em um futuro distante e o personagem finalmente poderia ser modernizado de forma a subverter alguns clichês que o transformavam em uma caricatura típica dos anos 70, filho de filmes de artes marciais e da invasão da cultura oriental no Ocidente.
Porém, a série não chega perto de fazer isso e além disso, mancha fervorosamente a reputação construída com cuidado pelas outras séries da Marvel na Netflix. Ainda que Jessica Jones, Luke Cage e a segunda temporada de Demolidor, pelo consenso geral, não sejam consideradas sucessos absolutos, a qualidade técnica e o trabalho colocado ali não era igualável com outras séries do gênero, por exemplo, na TV aberta.
Desde suas primeiras cenas, a nova série se mostra problemática justamente no cuidado técnico. A direção e a fotografia causam um estranhamento nada favorável, e mesmo que sejam algo próprio do episódio, acabam se repetindo ao longo dos seis primeiros episódios, o que acaba colocando a “culpa” principalmente em cima do showrunner da série, Scott Buck.
Um showrunner é responsável por tomar conta de tudo que se passa em uma temporada de série. Entre suas funções está manter uma coerência de histórias, técnicas e narrativas, criando um “padrão” que deve ser seguido. Buck, só havia trabalhado como showrunner nas três últimas temporadas de Dexter – extremamente negativadas pelo público e crítica – antes de assumir a produção central de Punho de Ferro – e sua experiência anterior reflete alguns erros constantes na série do artista marcial.
Aqui, temos personagens incoerentes vivendo tramas chatas que levam de nada a lugar nenhum, filmadas de maneira pobre, com atuações medíocres e cenas de ação que disputam com os diálogos no quesito “artificialidade”.
Indo por partes, é desapontador dizer que: para uma série do Punho de Ferro, todas as cenas de ação são péssimas. A elaborada coreografia de luta, tão elogiada na primeira temporada de Demolidor, é apenas esquecida aqui. O resultado são confrontos nada empolgantes, sem o menor impacto e visivelmente dependentes de efeitos visuais e práticos. Várias foram as vezes que se notava a presença de um cabo de aço erguendo os personagens em posições que não fazem sentido, mesmo se ignorando as leis da física.
Isso não é melhorado nem um pouco se consideramos que as filmagens também não cooperam para a criação de algo mais dinâmico. A edição é lenta e distante, tornando cada sequência mais cansativa e entediante que a anterior. E isso não se restringe às lutas, mas também às cenas que trazem interações entre personagens. Tudo é filmado e montado de uma maneira tão bizarra que nem sequer passa a impressão de que a série se passa no mesmo universo de Demolidor e Luke Cage.
E por falar em personagens, encontramos aqui o pior ponto da série. É incrível imaginar que, mesmo depois de seis episódios, todos os protagonistas poderiam sofrer finais trágicos e não sentiríamos quase nada devido à falta de empatia estabelecida entre o público e os personagens.
A começar, temos os antagonistas da primeira metade da temporada: Joy e Ward Meachum, dois irmãos que não possuem um elo afetivo definido e mais parecem sócios distantes. Enquanto Joy ainda tem algum desenvolvimento de personagem, Ward não passa de um “empresário malvado” unidimensional.
Já do lado dos mocinhos, a Colleen Wing de Jessica Henwick acaba sendo uma personagem com grande potencial, mas que nunca o atinge por completo. Quando pensamos que ela finalmente irá se tornar uma coadjuvante memorável, ela acaba se tornando um clichê ambulante que provavelmente acabará sendo apenas um breve caso amoroso do herói.
Por fim, sobre o protagonista, não podemos dizer nada além de: Finn Jones foi uma péssima escolha para Punho de Ferro. O ator não está sendo bem dirigido nos episódios e acaba criando uma personalidade inconstante que varia do “estudante de humanas feliz e alegre” ao homem vingativo e sem rumo.
Porém, isso é feito sem camadas e sem o menor senso do ridículo. Prova disso são os diálogos extremamente cafonas e artificiais, além das incontáveis sequências onde Danny acaba citando algum provérbio e dizendo logo em seguida quem o contou isso, apenas para criar uma série repetitiva e brega de referências a personagens das HQs. Ao final, parece até que o Punho de Ferro não passa de um gigantesco biscoito da sorte ambulante, recitando todos os provérbios possíveis e chutando bundas de vez em quando.
Além da atuação de Finn Jones e dos diálogos, o contexto onde o personagem é inserido é visivelmente mal-trabalhado, abordando uma trama corporativa maçante que se estende interminavelmente e gerando uma série de críticas sociais mal desenvolvidas, enquanto o elemento mais interessante da história do herói nas HQs – K’un Lun – é simplesmente deixado de lado aqui.
Basicamente, o que temos são personagens rasos como piscinas de bolinhas, habitando uma trama que os faz se contradizerem com frequência – basta ver que alguns personagens tomam atitudes que vão em direção oposta a tudo que foi construído em cima deles até ali, seja na própria série ou em séries anteriores.
E para parar de chutar cachorro morto, resta falar da “qualidade” individual dos episódios. Até agora, nada impressiona – pelo contrário. É recorrente e gratuito demais o uso de flashbacks para uma cena em específico, bem como os constantes cliffhangers nos finais dos episódios (“ganchos” surpreendentes que criam expectativa para o próximo episódio), que acabam sendo contornados das formas mais bobas possíveis já na primeira cena do episódio seguinte.
Claro, é cedo demais para dizer que a série é um erro completo, mas infelizmente, em seis episódios, não há nada que acabe sendo lembrado como ponto positivo que se destaque em meio à quantidade absurda de más decisões. O produto final parece ter sido entregue às pressas apenas para finalizar o ciclo das séries solo da Netflix.
Sendo um fã fervoroso do personagem, é amargo admitir o quanto ele foi estragado em sua adaptação no Universo Cinematográfico da Marvel. Mais do que tudo, Punho de Ferro é uma prova de que a Marvel pode acertar em muitas coisas – mas, quando erra, não poupa decepções.
Confira abaixo o trailer e imagens da série:
Punho de Ferro chega com sua primeira temporada completa no dia 17 de março, na Netflix.