Agent Carter: Deliciosamente Subversiva
Agent Carter: Deliciosamente Subversiva
Quando a Marvel anunciou que estaria fazendo um seriado de Agent Carter, logo me animei. A personagem foi uma das melhores a ser introduzida no filme do Capitão América e: entre os diversos fãs que ganhou, seu one-shot e a fantástica Hayley Atwell, era obvio que a Agente Carter podia não ser a heroína que muitos queriam, porém era a heroína que precisávamos. E sua estreia na televisão não poderia ter sido melhor.
Logicamente, a matéria contém SPOILERS!
Peggy Carter veio com uma difícil missão, mostrar que a Marvel pode trabalhar bem uma protagonista feminina, e não apenas isso, trabalhar bem uma mulher forte e independente em um seriado de época. Mas principalmente, Peggy Carter devia se mostrar boa o bastante para o mundo. E vamos combinar, o mundo do entretenimento nunca é gentil com protagonistas femininos.
Seja com recentes sucessos como Lucy – que mesmo com a ótima bilheteria e sucesso de critica, ainda sofre dura rejeição de grande parte dos espectadores; ou então as recentes mudanças de personagens femininos nos quadrinhos, como a troca de uniforme da Mulher-Aranha, ou a mudança com Poderosa e Ms. Marvel, ambas heroínas antigas e reconhecidas por seus trajes reveladores, que passaram o manto para jovens adolescentes de cor que não usam roupas reveladoras feitas para fetichizar suas revistas.
Fato, é que Agent Carter surgiu em um período onde cada vez mais mulheres estão conquistando seu espaço na mídia, sendo algo mais além de interesses amorosos, ou mocinhas prontas para morrerem e darem ao grande herói uma história triste sobre vingança. Agent Carter é subversivo. É algo além de dar um papel, normalmente masculino, para uma personagem feminina. Peggy Carter é uma mulher, porém uma mulher que esta sempre sendo colocada em situações que não seriam apropriadas para uma moça em 1940.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Peggy foi mais do que apenas “importante”; ela foi fundamental na derrota do Caveira Vermelha e na vitória dos Aliados. Peggy Carter foi uma heroína de guerra, que já mais foi reconhecida como tal, em seu tempo. Ao ganhar sua própria série, o cinismo correu à solta. Seria, afinal, apenas uma série de espiã, sem ser relacionada a super-heróis, diziam alguns – como se, apenas por estarem no universo Marvel, todas as histórias contadas ali deveriam ter heróis e vilões conhecidos envolvidos.
Porém, após sua estreia, confirmou-se aquilo que já esperava: Agent Carter funciona maravilhosamente bem, e não apenas isso, funciona de uma maneira que se torna quase que independente de todo o resto do universo Marvel, ainda que tendo ligações diretas a ele. Nos dois primeiros episódios – ”Now is Not the End” e “Bridge and Tunnel” que foram exibidos simultaneamente nos Estados Unidos, no ultimo dia 6 de Janeiro, – Peggy se torna o herói estóico que não precisa de ninguém e não se aproxima das pessoas com medo de machuca-las.
O papel de “herói estóico” não é nenhuma novidade, seja na televisão ou no cinema, contudo, ver uma mulher neste papel, e não apenas isso, mas uma mulher em uma série de TV que se passar nos anos 40 tendo esse papel, é algo fantástico e que aquece meu coração. É um clichê? Sim, porém há um motivo para ser tão utilizado, ainda mais quando é bem feito. Porque funciona.
Não há quem não consiga se identificar ou ao menos compreender a dor de Peggy Carter. Após perder sua grande paixão, Steve Rogers, O Capitão América, um ano após ela se encontra em Nova York, trabalhando para a SSR (protótipo da SHIELD) e mesmo com seus feitios no outro lado do mundo durante a guerra; Peggy se encontra em um escritório que reflete muito bem seu tempo: um ambiente “casualmente” sexista, onde ela é tratada como secretária e seu antigo trabalho com o Capitão América é debochado e minimizado.
Quando o antigo companheiro de guerra, Howard Stark (Dominic Cooper), a contata após tecnologias perigosas e fatais terem sido roubadas dele e estarem sendo vendidas no mercado negro, Peggy tem a chance de mais uma vez ser uma heroína, recuperando a tecnologia e limpando o nome de Stark, mesmo que o resto do mundo não saiba.
Os dos primeiros episódios fazem um fantástico trabalho em inserir o telespectador no mundo da agente Carter. O cenário é fantástico, as roupas são (aparentemente) escolhidas a dedo para representar o ambiente. Até mesmo a fotografia, tão esquecida, marca quem vai ver a série. Assim como o primeiro filme do Capitão América, os tons são mais amarelados, indo pro sépia, justamente para nos mostrar, e deixar marcado em nossas mentes, que estamos vendo uma trama histórica. A diferença são os leves tons de rosa que Agent Carter coloca na tela, dando o charme feminino que tanto queríamos ver no MCU.
E isso, acredito, seja o forte de Agent Carter: Ela é uma mulher. Ela passa seu batom, usa roupas de festa e se sente bem. Ela não deixa sua feminilidade de lado para ser uma mulher forte e decidida. Ela pode ser uma mulher vaidosa, e ainda assim ser uma agente excepcional. Seja no restaurante, conversando com a garçonete Angie, interpretada pela belíssima e divertida Lindsy Fonseca, ou em seu trabalho. Peggy Carter tenta, ao máximo, se afastar. Não criar relacionamentos significativos e viver apenas trabalhando, tentando ser útil.
Além de Peggy Carter a série é recheada de personagens interessantes, divertidos e até mesmo fofos. É sempre bom ver Enver Gjokaj em qualquer local; seja Dollhouse ou Community, o moço além de ser obviamente bonito, tem um apelo para o lado mais “fofinho” – basta me lembrar da cena na extinta Dollhouse, onde seu personagem joga litros de tinta preta no chuveiro devido a sua paixão não gostar da cor. Em Agent Carter ele é Daniel Sousa, um veterano que ficou ferido na guerra, e o único na SSR a reconhecer o talento e valor de Peggy Carter. Além disso, temos os outros oficiais, como Roger Dooley (Shea Whigham, de Boardwalk Empire), e Jack Thompson (Chad Michael Murray, de One Tree Hill). Contudo, os dois primeiros episódios são todos sobre Peggy… Ou Peggy e Jarvis, na verdade.
Finalmente é introduzida à versão do Universo Cinematográfico da Marvel de Edwin Jarvis. Interpretado pelo fantástico ator inglês, James D’Arcy, o personagem que serve como um “Alfred” para os Vingadores nos quadrinhos, aqui é apresentado como um homem mais novo e de uma rotina bastante restrita. Ele é indicado por Howard Stark para ajudar Peggy Carter no que for necessário, e em apenas dois episódios, a dinâmica entre os dois personagens é uma das coisas favoritas dos fãs, e a que melhor representa a subversividade de Agent Carter.
Nos segundo episódio, após levar um tiro de um dos vilões mudos da trama, Jarvis dá pontos no ferimento, e ambos tem uma conversa sobre como Peggy deve deixar as pessoas se aproximarem dela, aquela mesma história que já vimos em tantos outros locais, “nenhum homem ou mulher é uma ilha”. Contudo, os papéis são totalmente inversos, Jarvis que dá os pontos, pois sabe costurar e Carter é a heroína que acredita não ter nada a mais em sua vida e pode se colocar em riscos.
Além dos fantásticos personagens, as referencias a outras séries e filmes icônicos é notável. Agent Carter é uma série de ESPIÃ SIM. Isso não faz com que seja menos do que uma série de super-heróis. Pelo contrário, da um embasamento necessário para o MCU que conhecemos atualmente. Sendo uma série de espiã, não havia como não lembrar de outras importantes séries do gênero, inclusive os produtores haviam dito que uma antiga série da ABC teve grande influencia em na agente Carter. No primeiro episódio Carter usou uma bela e longa peruca loira, enquanto no seguinte, o disfarce de uma inspetora de leite. Tudo isso lembrando Alias, uma das maiores séries de espionagem já feitas na televisão.
Nos segundo episódio também, é quando somos apresentados aos grandes vilões da série, a organização “Leviatã”, que nos quadrinhos é para o comunismo, o que a Hydra foi para o Nazismo. Junto dos novos vilões também temos tecnologias diversas, como os vilões sem voz que utilizam de pequenos bastões que torna as vibrações vocais em som audível, ou a belíssima maquina de escrever, que lembrou muito a vista na criticamente aclamada série da Fox, Fringe.
Para aqueles que estão buscando grandes conexões com o universo Marvel, vão se decepcionar. Agent Carter tem ligações com Capitão América: O Primeiro Vingador, obviamente; mas a natureza do show é ser sua própria serie, presente no universo Marvel, porém vez ou outra, partes importantes estão presentes, como a Roxxon ou Anton Vanko.
Porém a série continua sendo muito “Marvel”. Mesmo com cenas de lutas em cima do caminhão do leite, assassinatos e muito sangue, a série ainda consegue ser divertida. Contudo, é necessário que saibam dosar o humor. Afinal, Peggy Carter ficando presa embaixo da meda de Sousa foi engraçado, porém quase beirou ao ridículo, já que Peggy é uma mulher capaz e cheia de recursos. Ainda mais quando os momentos de humor vem tão naturalmente quando Carter e Jarvis se juntam.
Com uma protagonista feminina fantástica, a divertida parceria entre Carter e Jarvis e uma fantástica definição de período, há muito mais para se gostar em Agent Carter. Nos dois primeiros episódios do “evento televisivo”, Peggy aprendeu que pode sim ter amigos e pessoas em sua vida, como Jarvis e Angie, que trazem importantes relacionamentos pessoais para ela. E apenas podemos esperar que o mundo de Peggy Carter será ainda mais expandido futuramente – com os hilários programas de rádio do Capitão América inclusos.
Após os dois primeiros episódios, o título de “Evento Televisivo” realmente faz jus ao que é apresentado. Afinal, como disse a famosa professora e historiadora dos primórdios da América e da história da mulher, Laurel Thatcher Ulrich:
“Mulheres bem comportadas raramente fazem história.”
Ao julgar a agente Peggy Carter (e sua fantástica intérprete, Hayley Atwell), é impossível concluir o contrário.